Museu de Arte Contemoderna?
Porque hoje fui pra praia no MAM-BA,e lá me deparei com uma metonímia perfeita das (poucas) críticas que faço a Secretaria de Cultura do Governo Jaques Wagner, resolvi então expô-las aqui.
Chego no MAM e vou descer pra praia. Na escada de acesso, em frente ao paredão de Carybé, uma placa avisando: “Proibido acesso a praia”, e no seu anverso “Proibido o acesso ao museu pela praia”. Não obstante, havia gente na praia. De dentro da praia, perguntei a um funcionário porque disso. Ordens da diretoria, a Sra. Solange Farkas, pra que as pessoas não molhem (?!) os salões do museu. “Mas ninguém acredita nessa placa – nem a gente”, completou.
Proibir o acesso a praia é tão absurdo quanto inútil. Quem vai ao Solar do Unhão continuaria caindo no mar apesar de ser permitido, e apesar de não ser. É desconhecer inclusive o projeto original de Lina Bo Bardi, que incluia tal acesso; é desconhecer a cultura moleca, essa dupla banda breijeiro-cosmopolita, que é a cara de Salvador.
A política de museus de Marcio Meirelles é isso: fundamentalmente colonialista. Sim, Solange Farkas reavivou o Jazz do MAM, e o XV Salão MAM foi dos melhores. Mas nisso não há nada de diferente do que Heitor Reis faria, e fazia em pleno carlismo.
Farkas trata o MAM como se fosse um museu de arte contemporânea: uma bando de instalações de “conceptual art” (que pra mim é coisa de artista preguiçoso que não quer ter cansaço muscular), ao preço da excelente coleção permanente quase nunca estar a mostra. Ela alega que era preciso dar espaço para a produção atual bahiana, largamente conceitual e pós-moderna. Concordo! Há décadas Salvador, ou a Bahia, precisam de um museu específico de Arte Contemporânea: um MAC, como o de Niterói, ou o da USP. Espaços para tal não faltam, e sugiro aqui um: o Forte de Humaitá, na Cidade Baixa – inclusive porque mudaria o fluxo e frequência da área, sempre pobre de investimentos culturais embora rica em cultura popular, arquitetura decor, e em beleza natural.
Quando encontrei com o Secretário de Cultura na pipoca de Armandinho Macêdo perguntei a ele porque esta decisão, ao invés de abrir mais um museu, específico para a produção posterior ao modernismo. Disse-me que não era hora de abrir nada, mas de consolidar. Consolidar o que? O MAM é consolidado desde a primeira gestão de Heitor Reis, no fim dos anos 90! Sim, é carlista, mas a la gauche, e técnico; sim, tinha o rei na barriga, mas fez então o Solar do Unhão ser um dos museus mais popularmente frequentados do país. Consolidar o MAM como um museu de arte contemporânea é alijá-lo da condição já alcançada há quase duas décadas de um grande propulsor de arte moderna.
Senão vejamos: sob a batuta de Heitor Reis o MAM organizou duas exposições mundiais: a retrospectiva de José Pancetti, que depois foi ao Rio de Janeiro, São Paulo e Madrid (sempre, notem, com curadoria do MAM-BA); e a de Pierre Verger, que depois fez o mesmo roteiro e ao invés de Madrid, Paris. Quantas exposições mundiais a Sra. Farkas organizou no MAM? Quantas de artistas bahianos ou radicados aqui (como o foram Verger e Pancetti)? Nenhuma.
O que há é uma visão colonialista, e quase disciplinadora (como a placa, desobedecida, de “Proibido acesso a praia”), de trazer exposições de conceitualistas do sul. Farkas nada compreende de arte moderna, do projeto bardiano do MAM Bahia, nem da Bahia ou de Salvador enquanto modus vivendi. Tanto pior que esta visão colonialista vai de encontro a todas as outras políticas da SECULT: o pulo do gato de Marcio foi inverter a lógica cultural da Bahia – a música não é mais apenas “tipo exportação” (o axé), e não temos de ser tutelados em tudo mais pelo Sul ou por Recife (a Bahia produz hoje talvez o melhor jazz e o melhor rock do país, entre outras coisas).
Esse problema se repete em outros museus. O Rodin está eternamente por receber os gessos do artista de Paris, que nunca chegam; e acaba tendo como sua melhor área a extensão modernista no fundo, aliás magnífica. Mas assim não tem uma exposição permanente (salvo os bronzes de Rodin nos jardins, e não são muitos), e fica sem destinação clara. O Museu de Arte da Bahia abrigou, fins de 2007, uma retrospectiva de Calazans Neto enquanto xilogravurista. Ótima! Mas o MAB é um museu conservador, que deveria contemplar a arte bahiana, brasileira e mundial (nesta ordem) anterior ao modernismo; inclusive contemplar formas de arte decorativa: mobiliario, talheres, vestimentas. Esta é sua função e seu projeto.
Apesar destas críticas não se pode negar que Marcio Meirelles conseguiu aumentar a frequentação museológica da população bahiana em geral, e em específico no MAM. Mas, como a placa de “Proibido banho”, é quase aleatório este efeito: ele aumentaria apesar dos atosde gente como Sra. Farkas – embora talvez não aumentasse sem eles. E, de resto, sustento, como todos sabem, que Marcio é o melhor Secretário de Cultura que o Brasil tem em muitas décadas – desde o governo Miguel Arraes 1962, em Pernambuco, quando ocorreu a primeira gestão cultural de Ariano Suassuna naquele estado.
Pra que não fique tudo ruim, uma boa notícia: o Café do Salão MAM Bahia, instalado temporariamente, enquanto durou o XV Salão MAM, no subterrâneo do museu, com acesso ao píer, agora é permanente! Ter retirado o turístico (e quase prostituto) Restaurante Solar do Unhão deste lugar, abrindo espaço para um excelente café e mais duas galerias grandes, foi das poucas boas atitudes da política de museus da atual gestão – e mesmo ela foi efeito de outra decisão, sábia, do Governador: de separar as Secretarias de Cultura e de Turismo em duas. Entanto, vá lá: o MAM agora tem, permanentemente, um café digno com bom cardápio e uma vista de morrer de linda!