Águas Monumentais – Bel Borba e a arte pública
Está em cartaz, apenas esta semana, como parte da 2ª Semana do Saveiro, a exposição Água Grande, do artista plástico bahiano Bel Borba. Os 24 trabalhos, feitos em proporções monumentais a partir de sucatas de navios, se dividem em dois temas: as cenas urbanas (de alguma forma ligada aos saveiros) e grandes máscaras rituais (como esta, ao lado), com alguma evocação nagô e kibundu.
A temática dos saveiros e o uso de rejeito naval não é exatamente uma novidade na obra de Bel. No Rio Vermelho, ao lado da Igreja de Santana, há três esculturas (entre elas, um Omolú e um Exú) feitos a partir de carcaças de madeira de saveiros.
O que há de novo é que a técnica de destacar, do metal, uma forma, de modo a usar simultaneamente o relevo (ou recorte) e o lugar vazado do recorte, se complexifica e ganha maiores dimensões. Se tal recurso já era usado por Bel (por exemplo no Jogo da Capoeira, escultura pública pequena para seu gênero, em frente a Biblioteca Juracy Magalhães, no Rio Vermelho – que possui o efeito de, caso o espectador esteja em movimento, transmitir a sensação de que os dois personagens da obra também se movem), era tímido e pontual. Em Água Grande ele se radicaliza, e ganha proporções maiores.
Há muito tenho notado que a obra de Bel se destima a ser pública, porque monumental e porque com uma relação intrínseca com a cidade. Se os seus mosáicos (que ficam na Escarpa da Gamboa, ou no Rio Vermelho) já lendários, mostravam isso (colocando-o assim na tradição de Carybé, Mário Cravo Júnior e Calasans Neto), foi com a exposição Por Favor Não Matem Raul Seixas, em 2004 no MAM-BA, que notei isso com clareza.
Tratavam-se de pinturas a partir de colagens de restos de outdoors, aí entre o paradigma da Pop Art e do Surrealismo (especialmente de Paul Klee). Acontece que, pelo seu material de origem, cada tela tinha três, quatro metros de altura ou mais, por quase dez de comprimento. Não é o tipo de pintura que se possa comprar e ter em casa. Os seus mestres predecessores, embora magistrais nas obras de vulto exterior, o foram também na pintura doméstica (Carybé), na gravura (Calasans) e na pequena escultura de mesa (Mário Cravo) – estando a meio caminho entre o que é Bel Borba, e o que foram os grandes intimistas pictóricos de Salvador, como o sergipano Jenner Augusto ou Jorge Costa Pinto.
Salvador, como Recife (e como São Paulo um dia, com Victor Brecheret), tem a sorte de ter grandes artistas públicos. Com uma ressalva: plana e batavamente retilínea, Recife dá a Gilvan Samico e Francisco Brennand facilidades de tela para expressar uma arte que, genial, não se filia a experimentação estética. Na Cidade da Bahia, barroca, foi preciso que Carybé achasse fachadas escondidas entre morros, baías e arranha-céus, e que Bel Borba usasse encostas e ladeiras antes não percebidas. É a geografia barroca de Salvador servindo acidentalmente de lugar para a experimentação ora cubista, ora expressionista.
Água Grande fica em cartaz até sábado dia 24 de janeiro, no Armazém 1 da CODEBA, todos os dias até 22h.
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