Ensaio para uma Sonata Desértica
ou A Pérola de Steinbeck
Embora alardeie junto com 11 entre 10 bibliófilos e literatos do mundo nos últimos cinco século que a literatura anglófona é, de longe, a melhor do mundo tanto na prosa quanto na poesia (e não digam que é a francesa: até Baudelaire achava Poe melhor que ele), minha relação com a literatura norte-americana sempre foi ambígua.
Sim, é americano, e muito americano (judaico-protestantemente americano), o melhor e maior romance do século XIX (aliás, “o século do romance”): Moby Dick, de Hermann Melville; sim, é americano o cara que nos legou a forma que a literatura tem hoje, no conto e na poesia, desde o Romantismo e mesmo no avesso do Romantismo – Edgar Allan Poe. Sem Poe, não haveria nem Machado nem Maupassant, nem João Cabral nem Malarmé.
Por outro lado, me incomodava em Poe a pratica da literatura como “making money”, que o levava a fazer obras cretinas (embora tecnicamente irrepreensíveis) ao lado de preciosidades; em Melville, certa misantropia mendiga norte-americana que não deixa de ser apenas fashion. E nos modernistas, a subserviência aos grandes estúdios cinematográficos – John Steinbeck incluso.
Sempre tenho a impressão de que os grandes autores estadunidenses se mediocrizam em prol de ter um público.
E qual não é minha surpresa ao começar a ler hoje A Pérola, pequena novela publicada pela BestBolso em formato pocket. O primeiro capítulo inteiro, narrado do ponto de vista de um índio do meio-oeste alijado de suas terras, é tão musical quanto a sinfonia proustiana ou as passagens da “Cantiga de Siruiz” do Grande Sertão: Veredas. Todo ele marcado por uma canção em dois temas (o da Família, e o do Mal), que Kino vai compondo em sua cabeça mas não consegue articular em fala.
É quase como se Steinbeck fizesse uma sonata erudita para viola sertaneja, para ser cantada naquela técnica mexicana que é um misto de coro sagrado maia e palo-seco hispânico.
Se isso não é escrita erudita, eu não sei mais o que seja…