Solteirismo ideológico & monogamia pragmática
Por uma Teoria Política das Relações Afetivas
É preciso politizar tudo – fazer uma arqueologia até mesmo do mau-humor matinal.
Michel Foucault
Sofro de uma incompreensão coletiva por parte dos conhecidos (mas não dos amigos), e individual (por parte de novos amantes, a princípio, quando em início de relacionamento) por afirmar que não apenas não gosto de namorar, como me oponho político-ideologicamente a concepção mesma de namoro e suas consequências. A maioria entende, a principio, que sou ‘galinha’ – não sou; ou que prefiro ‘ficar’ – não só não prefiro, como abominava o termo mesmo na época em que o conceito de namoro me interessava na prática. Por increça que o parível, este dândi que vos batuca nas teclas é um monogâmico por inevitabilidade fisiológica: quando apaixonado, não há outra realidade no mundo; e quando apenas fortemente desejante, todos os outros possíveis objetos de desejo se evanecem.
Acontece que sou um libertário (não no sentido que a direita orkutiana usa): irrita-me a obrigatoriedade social, o imperativo, da monogamia, como irrita-me o imperativo da putaria. Adolescente, detestava a idéia de que era preciso ‘garrar várias’ – uma afirmação da masculinidade ao meu ver aborígene, sub-civilizatória. Sim, há noites em que beijo muit(os, as), por vezes mais de um(a) ao mesmo tempo. E sou de ter relações longas, com manifestações públicas de afeto, e paixão ao limite do adoecimento. Aliás, são as que mais gosto.
Recuso-me, no entanto, a chamá-las de ‘namoro’, e não é mera questão de nomenclatura. O namoro corresponde quase sempre a uma demanda social, coletiva: namorad(o, a) serve pra levar em aniversário de bisavó, batizado de primo, etc. Para realizar tal função social, ele se estrutura como um kitsch: o sujeito vê-se a si próprio vendo-se sendo visto em público com o ser amado; vê-se ocupando o lugar social do ser amado; etc. Capturado por imagens que só satisfazem ao Outro (ou ao outro, ou aos outros), o sujeito fica alienado de sua liberdade subjetiva.
Senão, uma breve arqueologia do namoro. O conceito surge com o advento do Romantismo, isto é: da ordem burguesa. Constitui ele precipuamente um degrau do altar do casamento. Portanto, ilude-se na idéia de eternidade monótona (ilusão quase sempre desfeita por terminos assaz definitivos). Roland Barthes nos diz que a modernidade (isto é: para ele, desde o Romantismo) não cessa de excluir o discurso amoroso do seu meio social; o que Barthes não percebe é que esta mesma modernidade não cessa de produzir discurso amoroso, apenas para o excluir! Dessa forma, o namoro é o meio de produção de um capital, alienado ao Outro, do qual o sujeito apaixonado fica como dejeto da mais-valia.
Quando me oponho ao conceito de namoro é justamente a este efeito, digamos, neoliberal com ares de aparato de estado, em que ele consiste – minha oposição é microfisicamente política, no sentido marxista do termo. O que proponho é subverter tal ordem: que o sujeito enamorado não faça de seu enamoramento uma resposta ao Outro, nem caia na produção de mais-valia amorosa da qual será excluido. Há formas de relações monogâmicas que, por se negarem a serem captadas pela rede social, não podem por esta rede social serem excluidas (no sentido que Barthes nos diz): o romance, por exemplo, que implica numa fidelidade e numa constância relativamente altas, mas exclui a convivência com meios sociais (amigos e familiares), o que aumenta a dedicação; e, sabendo-se efêmero, jamais termina de modo definitivo ou abrupto.
Em tempo: romance parece caso, mas não é. O romance implica, sim, em estar apaixonado em algum grau (por vezes mais do que nas relações públicas – namoro, noivado, etc. – embora de um outro modo, menos ignorante e em que o sujeito fica mais senhor-de-si). O caso, ao contrário, não implica sequer em identificações mútuas.
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