Êpa-hey, Oyá! Aganjú, Xangô Alapalá!
Rainha dos Raios!
Rainha dos Raios!
Tempo bom, tempo ruim!
Salvador tem, na primeira semana de dezembro, uma coincidência feliz em sua programação de festas: dia 2 de dezembro é Dia Nacional do Samba, dia 4 na maioria das casas (negras e pardas, principalmente) da cidade se faz Carurú de Iansã e é dia de Santa Bárbara, comemorado com missa na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, e com Carurú no Corpo de Bombeiros da Barroquinha; e dia 8 é a padroeira do estado, Nossa Senhora da Conceição da Praia, a primeira das grandes “lavagens” pré-carnavalescas da Capital.
Nunca antes o Governo havia articulado estes três eventos. Quando muito, burocraticamente fazia o Dia do Samba na plataforma intermediária da escada solene do Palácio Thomé de Souza, e um abraço! A Conceição, o Estado policiava, e nem tanto, já que é conhecida como a festa de largo mais violenta entre todas.
Santa Bárbara no Pelourinho? Silêncio mortal, não quebrado sequer pelos raios de Oyá e pelos fogos em sua homenagem. Até o carurú da corporação militar estadual anti-incêndio é pago pelos funcionários.
Sem querer ser repetitivo: neste ano de 2008, segundo da gestão de Jaques Wagner, tudo mudou. Está aí o folder da FUNCEB articulando de uma só vez as três festas – e ampliando Santa Bárbara para um extenso show a tarde inteira de uma quinta-feira que nem feriado é, com a nata do samba bahiano da capital: das crônicas lendárias de Riachão, a nobreza malandra de Nelson Rufino, até o neo-sambaduro das Moças. E também grupos do interior, de chula do Recôncavo – rompendo com a idéia de que o Governo Estadual previlegia a capital: não apenas não previlegia, como a usa de trampolim para o interior (aliás, não é para isso que servem as capitais?).
Nota: tudo no Pelourinho. Onde está o tão falado “abandono”, que eu não vejo? E mais: o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia vai tombar a Festa de Santa Bárbara! É uma das medidas revolucionárias do IPAC, ao lado do tombamento do casario histórico das cidades fora do Recôncavo (Caetité, por exemplo), e dos prédios modernistas de Salvador, que até então tinha mania de pensar que seu esplendor fora só o barroco (quando a gente tem aqueles monumentos modernos como o TCA e a Igreja da Ascensão do Senhor, no Centro Administrativo da Bahia).
Em tempo: desde sexta-feira acontece a Novena Cantada da Conceição da Praia, até o dia do cortejo. Trata-se de uma peça sacra do século XVIII, cuja partitura é atribuida a ninguém menos que Padre José Maurício. Há três festas sacras bahianas que têm peças eruditas locais no repertório. As outras são a Novena Cantanda de Senhor do Bonfim, em janeiro na Colina Sagrada; e a Novena Cantada da Purificação, em Santo Amaro, fevereiro. Fora a missa cantada diária do Rosário dos Pretos, e a entoação gregoriana do Mosteiro de São Bento de Salvador aos domingos.
Em tempíssimo: minha avó de criação, preta como soe de ser, agregada da minha família materna que fez as vezes de governanta de uma prole de 5 filhos de meu avô (que então presidia uma das maiores empreiteiras do nordeste, e fazia parto toda noite para mulheres de tudo quanto é classe social cá na Diaspórica) – minha avó de criação dá, há décadas, um antológico Carurú de Santa-Bárbara, que lota no seu apartamento minúsculo nos Barris. Na cozinha, só se entra de vermelho e branco. Porta aberta pra quem entrar, até mesmo desconhecidos. Para ela, que nem de candomblé é e suspeito que nunca pisou num terreiro, é mais importante do que ceia de Natal. E é óbvio que eu vou!
Em tempérrimo: quem tá com o yorubá enferrujado, tradução do título deste humilde post: Êpahey é saudação a Iansã (Santa Bárbara, no sincretismo de Ketu); Oyá é seu nome de honra, significa, por onomatopéia, “raio”; Aganjú é uma saudação, um pedido de licença, só que extremamente polido, reservado a nobres e diplomatas (como a Rainha ‘Nzinga Matambe, do reino de Oió, Benin-Daomé); Xangô Alapalá é o atributo de Xangô quando casado com Iansã, e um dos nomes de Xangô Airá (que carrega Oxalá nas costas). Saudam-se Oyá e Xangô juntos porque, raio e trovão, sempre vêm juntos. “Aganjú Xangô” é também um hino ijexá que 11 entre 10 rodas de samba do Recôncavo cantam, ao iniciar e ao encerrar a roda.
Troveja, Rainha, troveja!