Mercado Cultural Melancólico
Começa amanhã a VIII edição do Mercado Cultural Mundial de Salvador. Com programação apequenada (clique para ver), o Mercado se tornou assim mais um sintoma do fim da dialética axezismo X anti-axezismo – isto é: o Mercado é vítima de seu próprio sucesso.
Nos anos claustrofóbicos da ditadura carlista do abadá e do gosto-único, o Mercado era o nosso único respiradouro: por 6 dias, no início de dezembro, Salvador virava capital do mundo. Eram em média 20 peças teatrais de todos os cantos do planeta, outras 10 de dança, e shows antológicos (muitos dos quais sob os auspícios alvissareiros da então rediviva Recife: o Cordel do Fogo Encantado e a Spok Frevo Orquestra foram lançados comercialmente aqui, nas primeiras edições em que o Mercado deixou de ser Latino-Americano para se tornar Strictly Mundial). Ruy César, seu idealizador, dizia que o Mercado Cultural era “o anti-Festival de Verão“: enquanto este só trazia produção local do mainstream, junto com sub-artistas mundiais, o Mercado só trazia gente desconhecida (tinha a regra de nunca repetir atração, em nenhuma edição), a fina-flor da renovação estética mundial e local; enquanto o Festival de Verão era caríssimo, de noite, e fora da cidade, o Mercado ocupava diversos espaços entre o Rio Vermelho e a Ribeira, o dia inteiro, e de graça!
O Mercado nos fez sobreviver culturalmente no auge do axezismo, sem deixar que a cidade fosse só a mesmice do ano inteiro e do carnaval, mantendo por uma semana que fosse sua importância histórica continental. Somos e seremos sempre imensamente gratos a Ruy César e a Casa Via Magia por isso.
Só que agora, que sentido tem uma mostra de artes cênicas grande no Mercado, se um mês antes teve o FIAC e o Latino-Americano de Teatro? Mostra de música alternativa como, se teve Mudhoney tocando de graça no Boom Bahia Music Fest?
O Mercado nos proporcionou essa abertura, então lenta, hoje robusta, que vivemos. Há outros problemas conjunturais, e pessoais, que prefiro não falar – porque além de minha admiração pessoal, Ruy tem dois filhos que vêm a ser amigos meus diletos, embora não íntimos nem próximos.
Pode o Mercado Cultural recuperar a força ou mesmo continuar existindo? Talvez, se se reformular, e deixar de ser parte (importante) do anti-axezismo para ser uma parte (entre outras) do pós-axezismo. Se não o fizer, não tem problema: deixará saudades, e uma imensa sensação de dever cumprido.