Vicky-vapor-up Aspirina Risperidona
O que pode ser pior que Woody Allen fazendo uma comédia medíocre? Woody Allen fazendo comédia medíocre supostamente influenciado pelo quase-péssimo Pedro Almodóvar. E mais: numa direção preguiçosa, com um storyboard turístico.
Vicky Cristina Barcelona retrata uma Espanha que é como o Rio de Janeiro de Carmem Miranda, para dizer o mínimo. Só que o preocupante mesmo é o endeusamento que este filme vem sofrendo por parte de pseudo-cinéfilos.
Como devem saber, eu sou cinéfilo no sentido jean-luc-godard do termo. Isto é: alguém para quem o cinema não é meramente uma arte, ou uma ciência, e sim uma Religião. Religião atéia, claro – e não menos dogmática por isso. Nela, alguns preceitos são sagrados. Por exemplo: todo filme que se preze é mudo ou tende a sê-lo. Não se trata de abominar filmes falados (na lista dos meus 10+ só há filmes sonoros, cujos diálogos são luminosamente imprescindíveis); trata-se de priorizar a relação de imagens entre si, e das imagens com os sons. O texto falado está para o cinema como o tipo gráfico está para o livro, ou o figurino e o cenário para o teatro (numa concepção brechtiana).
Não é que Allen não saiba ser silencioso: ele sabe, nos seus excelentes dramas íntimos (Interiores e os brilhantes e recentes Cassandra’s Dream e Match Point); sabe sê-lo nas comédias se estas forem involuntárias – digo, se for um filme pretensamente de suspense ou policial (ou drama íntimo), em que o cômico aparece como efeito disso. Por exemplo em Misterioso Assassinato Em Manhattan, ou em Poderosa Afrodite.
Ao contrário do que Woody Allen crê, nem seu humor é inteligente (não é um Machado de Assis das telas: esse título só cabe a Robert Altman) nem é ele herdeiro de Buster Keaton, Chaplin, Jacques Tati ou mesmo Mel Brooks. Brooks é palavroso, de modo ao texto falado nele virar um paroxismo do silêncio: sua piada é fundamentalmente muda (e não atoa dirigiu um filme completamente sem som, Silent Movie, em que o ponto alto do humor é quando o mímico Marcel Marceau emite a única fala do filme: um sonoro “Não!”, recusando-se a fazer um filme mudo…). Allen, quando investe em sua verdadeira herança (o drama bergmaniano e o humor secundário a trama, de Hitchcock) se sai muitíssimo melhor.
A comédia é justamente a forma do cinema em que o texto deve comparecer o mínimo, se possível nada. Poder-se-ia objetar que a maior comédia da história, a quitessência da porra-louquice politicamente (in)correta, o primeiro filme GLBTT-dragqueen do mundo (muito antes de virar moda), Quanto Mais Quente Melhor, de Billy Wilder, prima pelo texto. E prima sim, mas ele é enxuto e depende fundamentalmente das relações com a imagem (de Marylin bêbada, do travestismo mal-feito de Ian Curtis e Jack Lemon, da cara de velho viado tarado de Osgood).
Allen acha que fazer comédia é fazer uma espécie de psicanálise em público; ou acha que psicanálise é uma forma de comédia íntima. É uma total falta de respeito para com a comédia, o cinema, e a psicanálise (estas duas entidades prima-irmãs oriundas de e balizadoras do século XX no que ele tem de melhor), além de com os cineastas (que o influenciaram e os que não influenciaram e ele acha que sim), e com seu público (os que leigamente acham bom, e os que cinefilicamente se decepcionam, como eu). Por fim, falta de respeito consigo mesmo.
De resto, todos os atores e atrizes do filme estão sub-utilizados. Javier Barden se sai bem porque é bom, mas está obviamente mal dirigido. Scarlet Johanson tem sua beleza incomum, irreal, banalizada a condição de mais uma loira de olhos verdes. Penelope Cruz não merece comentários: é tão ruim que só um embuste como Almodóvar ousaria trabalhar com ela. Allen tem um proverbial talento para dirigir atrizes, mesmo ruins, ao limite do gênio (e retirar mesmo das feias cenas plasticamente lindas e sexies). O único laivo disso na atual película é a atuação da (desconhecida até agora) atriz que faz Vicky.
Enfim, juro aqui pública e solenemente: só volto a assistir Woody Allen quando ele voltar a fazer dramas domésticos sérios. Não dou meu dinheiro mais para ele alimentar sua própria masturbação mental (desta vez de férias no Mediterrâneo) na qual, aliás, prostáticamente, ninguém nunca ejacula.