Cozinha não é nada, Serviço é tudo
Um serviço desatento pode destruir uma boa proposta gastronômica – e em Salvador isso é, historicamente, embora hoje menos, o comum do comum. Pode-se atender mal um comensal, e ele volta, até fica satisfeito – mas desde que “mal” não signifique “sem atenção”. O Pós-tudo, por exemplo, tem um serviço digamos blasé, que lhe confere charme, e vive lotado: os garçons estão sempre de péssimo humor, mas são ágeis. A Dona Xícara, de longe a melhor cafeteria de Salvador (com tudo feito no dia, a mão, e míseras três mesas, uma das quais com divã de balcão – e claro, uma bela coleção de chícaras de porcelana do século XIX), tem um serviço aleatório: vai do grosseiro (“não vou te atender hoje, acabou tudo”) ao extremamente gentil (uma vez que cheguei lá, acompanhado, depois de a loja fechar e a dona reabriu só pra me atender, tendo captado no ar o clima que início de namoro). Mas é também isso que lhe dá charme: a grosseria quer por vezes dizer zelo com a casa – por não ter coisas a contento a oferecer para a clientela fiel, não se oferece nada.
A nova Doces Sonhos da avenida Paulo VI, na Pituba, surge com a proposta de ter, de um lado, um belissimo buffet de saladas gourmet a preço acessível, e do outro sobremesas quentes francesas feitas na hora, a qualquer hora: crepe suzete, creme brullet, pavlova, etc. De fato, o crepe suzete ao menos é feito com correição – nada de magistral como o do Chez Bernard (pese-se que o Bernard só de quinta a domingo, e de noite, e é caro).
Acontece que, chegando lá, eu não levo menos de 5 minutos sentado sem que ninguém note que quero ser atendido – nem cardápio trazem. Daí eu chamo desesperadamente um garçon, que em geral não vem; ai vem o patisseiro, que deveria estar a fazer crepes e flambados, e não atendendo a mesa. Este, por não ser sua área, me atende mal e confusamente. Aí depois aparece um garçon, que não anota meu pedido, pergunta (enquanto anda) diversas vezes, nos minutos seguintes, se meu pedido era este mesmo (e geralmente não é o que ele se refere). Aí vem minha pavlova, e só 3 minutos depois chegam os talheres – quando o doce já não está mais quente.
Sim, omnia máxima culpa mea que não aprendo que a Pituba nunca, nunca vai ter charme ao atender. Se esse mau hábito é de Salvador, piora muito ao norte do Rio Vermelho, e melhora sensívelmente no centro expandido ao sul da península. Tenho uma teoria para tal: a burguesia familiar que habita a Pituba tem hábitos módicos, provincianos, e dificilmente sai sequer do bairro (ou do bairro em que estejam, caso visitem outras cidades). Do Rio Vermelho a Ribeira, ao contrário, não só são bairros turísticos, mas também da velha aristocracia culta (Graça), da burguesia solteira e preguiçosamente carioca (Barra-Avenida), da boemia artistica (Rio Vermelho), e por aí vai. É a cidade viva, em dialogo, que frequenta todo o resto da cidade – menos, talvez, a Pituba, que não atende aos padrões de qualidade a que estes outros bairros acostumaram seus moradores.
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