OSBrega & outras cafonices de Carlos Prazeres
Antes tarde do que mais tarde, alguém da estatura de Ricardo Castro resolveu apontar para o bode na sala que se tornou a Orquestra Sinfônica da Bahia sob a gestão de Carlos Prazeres – ainda que o pomo da discórdia seja o mal-dito evento da OSBA na Concha Acústica do Teatro Castro Alves em janeiro nomeado de OSBREGA, isto é apenas um sintoma de um problema que se arrasta desde a publicização desta orquestra estadual, talvez até de pouco antes do referido processo.
De antemão quero dizer que não tenho nada contra música brega e que aliás entendo que um brega não é meramente um puteiro, mas um lugar de acolhimento mais amplo em localidades pequenas do nordeste onde não há outro recursos: numa cidade que não tem hospital, é num brega que se convalece; se não tem hotel, é no brega que se hospeda; se não há parteiras, é no brega que se vai parir, etc.
Acho perfeitamente cabível a título de experimentação que uma orquestra sinfônica se enverede brevemente pelo repertório ultra-popular – o que poderia muito bem ser feito pelo Neojibá em seus concertos de domingo pela manhã no Parque do Queimado, e é em parte o que acontece nos saraus abertos na arca do mesmo parque uma vez por mês sábado a tarde. Mas o OSBREGA da OSBA não é meramente isso.
O tal evento OSBREGA faria parte das políticas de formação de platéia da OSBA, nas quais os CineConcertos têm sido a ponta de lança. Ocorre que a OSBA já tem um público consolidado, e mesmo os tais CineConcertos têm acontecido menos e são talvez desnecessários atualmente. Então pra que esse populismo orquestral? (Vale lembrar que a formação de platéia da Orquestra Sinfônica da Bahia como está hoje teve início na gestão de Ricardo Castro: em 2011, Carlos Prazeres já recebe uma orquestra com público crescente e reconhecimento pelas mais diversas camadas da sociedade bahiana – eram mesmo necessários os tais CineConcertos…?) Ainda no bojo de uma política de formação de plateia, os concertos gratuitos em igrejas (que Carlos nomeou de Série Manuel Inácio da Costa), que aconteciam mensalmente desde a gestão de Ricardo Castro, foram rareando há meia década (e não apenas por causa da pandemia), e hoje acontecem só uma ou duas vezes por ano: este sim era um programa de formação de plateia que não desvirtuava a função precípua de uma sinfônica estadual, e de quebra ainda fomentava a frequentação do maior patrimônio barroco eclesiástico do hemisfério sul ou do continente americano.
O que me parece é que a OSBREGA, e o desagrado de Ricardo Castro com isso, é o ápice de um problema que já vem de antes: Carlos Prazeres tem usado a Orquestra Sinfônica da Bahia como palco para uma exibição pessoal, personalíssima eu diria, e não como cumpridor de uma função que é pública (como fez e faz Ricardo Castro). Junto a isso, encampa um esquerdismo de fachada que da eleição do Nazismo Didi Mocó em diante não soube ser claramente anti-fascista (o que o Neojibá é estruturalmente, sem precisar ser “de esquerda” no nível declaratório semântico), o que levou a minha ruptura pessoal com ele. Posso dizer isso com tranquilidade: fomos não só amigos como foi a mim que ele perguntou se deveria ou não renovar contrato com o Governo do Estado da Bahia em 2013 mesmo sem garantia de publicização da OSBA, e eu disse que “sim, pague pra ver, dobre a aposta”, e não me arrependo: os resultados estão aí, e vi cada gesto dele empurrando os gestores da cultura para a contradição que era ter uma sinfônica estadual potente e em frangalhos financeiros ao mesmo tempo. Fui também eu que exortei Carlos Prazeres a propor um Seminário Nacional de Gestão Orquestral, ponto de inflexão crucial para o processo de publicização da OSBA (cuja minuta, é bom que se diga, Ricardo Castro deixou pronta ainda em 2010) como para a formação de uma rede sinfônica no país.
Se Carlos Prazeres cumpriu grande papel público, os polos se inverteram e talvez seja hora de ele seguir outros rumos. Talvez um sintoma disso é ele ter assumido também a direção da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas, em São Paulo: alega Carlos que é possível e não raro um maestro dirigir mais do que uma orquestra, e não está errado – mas este acúmulo parece ser parte de um desinteresse de levar a OSBA de ser mais do que uma orquestra do Teatro Castro Alves: este era um problema central antes da publicização, e eu disse algumas veze que isto precisava ser enfrentado a despeito da publicização, que a OSBA precisava ser estadual e de penetração ao menos regional no Nordeste e se possível nacional ao lado da OSESP e Filarmônica de Minas (mas Carlos Prazeres está mais interessado em ser anfitrião de um brega na Concha Acústica); a publicização da OSBA poderia e deveria ter vindo junto com a exigência da construção de uma sala sinfônica, como fizeram a OSESP e a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre além da Filarmônica de Minas, idéia que existia atrelada a reforma do Teatro Castro Alves mas que não foi e nem seria executada, e se o fosse nesse âmbito manteria a OSBA sob a tutela do TCA e não com uma autonomia de um órgão estadual do quinto maior território da federação (a sala sinfônica poderia inclusive ser feita em parceria com o Neojiba, mas isto nunca foi sequer discutido).
Acho sinceramente que Carlos Prazeres pode fazer um excelente trabalho pela sinfônica de Campinas, e com isso deixar de atrapalhar a orquestra que ele ajudou a erguer: é hora de novos nomes, novos ares – inclusive desde já apoio a pessoa de Guilherme Mannis para o cargo: a frente da Sinfônica de Sergipe (que, vejam só, também construiu uma sala sinfônica! – e não fica propondo concertos bregas ou cinematográficos) fez um trabalho que beira o milagroso, mas que pela próprio dimensão daquele estado tem limites e tetos baixos; Guilherme, até pela vizinhança, vem corriqueiramente reger a OSBA, muito a convite de Carlos Prazeres mas antes também a convite de Ricardo Castro. Em tempos de volta do wagnerismo com Jerônimo Rodrigues, espera-se que o novo Secretário da Cultura tenha a inteligência de fazer esta troca da guarda, que já não é sem tempo.
P.S.: discutir política orquestral está longe de ser perfumaria, e que se faça como estamos fazendo na Bahia hoje (e nem é a primeira vez) é um privilégio (e seria um luxo para qualquer lugar do mundo) – sinal do sucesso tanto do Neojiba quanto da OSBA gerida por Carlos Prazeres.