Uma Maçã na Cabeceira V
Por menos de um ano, de abril de 2013 até fevereiro do presente, David Butter (como um Roland Barthes de subúrbio) manteve um Tumblr que (in)voluntariamente servia de uma semiologia mitológica (diria até mesmo uma banalogia) da Idade da Zoeira em que vivemos. O blog culminou nas Jornadas de Junho, depois do que minguou sem perder a verve – o que lhe confere um caráter de livro digital online em que, mais do que uma coletânea de ensaios, há uma coerência constelatória, em que um ensaio se refere a outro, criando uma trama ou linhas de força e relações, como um bordado aleatório mas não sem sentido.
Li-o de enfiada entre o Natal e a Noite de Reis do último ano, um tanto recluso como eu estava. Não seria de se esperar, ao menos para mim, que um cronista profissional de futebol tivesse a sofisticação de um Nelson Rodrigues canhoto – por outro lado, e refletindo bem, não poderia ser de outra forma: sem mitificar o “futebol arte”, o futebol pré-industrial, artesanal, se correlaciona com uma escrita e uma literatura idem, e isso ele tem bem claro.
Além de sua própria escrita, é notável o modo de funcionamento que criou para os comentários lá: têm de ser enviados por email, e só são publicados os que de fato acrescentam algo ao texto ou à discussão – gerando às vezes sofisticadas postagens em si.
Diferente de Nelson Rodrigues, contudo, o pessimismo de Butter aponta modus operandi para uma esquerda sem idealismos – por exemplo, quando compara isto com a Cena Rock de Goiânia, aponta o grave problema da existência de semi-burros (muito mais deletérios do que os burros completos) ou da mania instituicional-militante de se fazer de médium das vontades de quem nada disse nem se queixou.
Vale a leitura, de cabo a rabo!