Som das Sextas – XXXV
Já se vão dois anos que não faço este tipo de postagem sobre novas sonoridades da Bahia do Pós-Axé. Período que coincidiu com meu trabalho no PLANSERV, com em geral uma perda de interesse pela escrita (aqui ou em prêmios literários), e com estar (voluntariamente) sem internet em casa. Contudo agora, voltando a trabalhar de plantão fico com as sextas-feiras livres, de modo que, embora com menos frequência e intensidade, este tipo de texto vai voltar a rolar.
O tema da modernização do berimbau dentro da canção já me interessava talvez desde os tempos de Ramiro Musoto; e depois, quando achei por acidente entre os discos de minha mãe um pirata de Mestre Lourimbau – meses depois assisti a um concorrido show seu do Conexão Vivo na Sala do Coro.
Lourimbau de fato consegue dar uma roupagem jazzística, hodierna, e mesmo fusion a sonoridade do Berimbau, sem deixar de fazer canção.
Há algumas semanas, contudo, fui assistir a um pequeno show da Orquestra Berimbaus Afinados intitulado Uma Corda, Vários Sons. A Berimbaus Afinados ainda carece de maturidade estética, por vezes cai em curiosidades virtuosísticas de um experimentalismo mais do que acadêmico, de ceguinho harpista de ponto de ônibus ou de peruano tocando flauta-pã na Praça da Piedade – isso por exemplo quando eles se propõe a usar os berimbaus por naipes, de acordo com seus tamanhos, como se a orquestra fosse um único instrumento de cordas, executando canções clássicas em arranjos muito óbvios.
Contudo, vai nela duas qualidades importantes: quando no mesmo formato se comprometem com a jam e o improviso, há real inventividade sonora; e mais importante, sua luthieria garante de fato escalas distintas de alcance do berimbau a partir de seus tamanhos. É certo que isso já estava dado desde sempre nas rodas de capoeira angola (em que três tamanhos de berimbaus fazem três vozes diferentes, com diferenças harmônicas e rítmicas além de melódicas, equivalentes aos tambores rum, rumpi e lé); mas a Orquestra Berimbaus Afinados radicaliza ao migrar para uma confecção mais industrial do instrumento físico, mudando da cabaça e berimba para soluções em metal – esta mudança, diga-se de passagem, é equivalente a quando o pianoforte superou o cravo e o órgão de sopro como tecla preferencial no século XIX, ao ganhar tecnologia que o barateou e potencializou, e também ao do surgimento das orquestras sinfônicas como as entendemos hoje, quando boa parte dos naipes de madeira (as flautas, por exemplo) passa a ser feito de metal sem ganhar sonoridade metálica; ao mesmo tempo, equivale a eletrificação da guitarra e a introdução dos pedais, braços e botões de distorções (que hoje já são aplicados em algumas vozes). Dainho Xequerê, maestro da orquestra, parece estar apontando nesta direção com muita propriedade.
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