Por que blogueio?
para Hugo Albuquerque,
que também tem se posto esta dúvida
e por isso blogado pouco
.
que quase não tem blogado
e por isso está (infelizmente) mais governável
Os weblogs se mantém talvez como única forma livre de relações sociais e afetivas da internet (neste meio que medeia tudo tecnologicamente, concorrendo com as relações não-mediadas e reais do uso das ruas, o blog sobrecarrega a mediação e acaba sendo i-mediado), porque têm qualquer coisa de ovidianamente protéica – isto é, sua forma-função não cessa de não permanecer a mesma.
Surgidos como diários íntimos, mas públicos, rapidamente passaram a servir pra outra coisa, de ativismo político a marketing dirigido de pequenas (e grandes) empresas; flertam tanto com a crônica quanto com a construção de longo fundo, da ordem da tese e, melhor dizendo, da sistemática escolástica; e ao cabo não são senão uma forma hodierna da literatura epistolar de mão em mão – que as listas de email tentaram ser e não foram – como a que garantiu o ambiente literário do barroco inglês.
Lembro que este aqui surgiu justamente porque minha amiga e designer deste espaço virtual insistia que minhas considerações políticas sobre a cultura na Bahia (e nem tanto minha literatura) não podiam ficar confinadas ao círculo de amigos e amigos-de-amigos que era então o Orkut – no entanto, um nascedouro importante para tal. Eu não podia vir a ser “um John Donne do terceiro mundo”.
Não por acaso, escolho como subtítulo deste, “Políticas Íntimas” – é nesta forma literária específica, a primeira em que o suporte já não é nem o papel nem a fala, que o público penetra na subjetividade, ou antes que esta penetração (que, Barthes nos lembra, sempre se deu e constitui a História mesma enquanto objeto digno do nome) fica posta a aberto, uma radiografia em movimento. Daí que o caráter de diário íntimo nunca tenha se perdido – embora, por outros motivos, ele hoje derivou para mim numa forma de grafia cursiva à caneta num pequeno caderno.
E, no entanto, é chavão meu, aqui e alhures, que como Stendhal escrevo para os “happy few”, e como o narrador a que podemos chamar de Marcel não pretendo ter leitores senão amigos. Se assim o é, por que então rejeitar a fórmula mais privada e orkutiana-pré-2006 de antes, e optar pelo blog?
Porque talvez neste formato não se trata de dizer algo para os amigos que já se tem, mas sim de criar amigos a partir do que se diz. Penso-me como aquela bichona quadrinista negro de Chasing Amy (belíssima adaptação de Kevin Smith para o tema proustiano do ciúme dos homens em relação à homossexualidade das mulheres): “I’m the minority, of the minority of the minority – and there is no one to suport my ass, bitch! And I ain’t complaining…”
Evidentemente que meu devir minoritário é oposto ao deste personagem, e similar ao do Barão de Charlus (a quem este personagem em parte substitui no filme): conservador demais para tolerar o discurso queer, mas também com repúdio a (va lá!) heteronormatividade burguesa; monarquista enquanto marxiano, e marxiano enquanto monarquista (nisto, está bem, pareço-me mais com o Marquêsinho de Saint-Loup-en-Bray); erudito, pedestre ideológico, e da xibietagem. São tantas contradições que, como na tábua furada do Em Busca Do Tempo Perdido, eu estou excluído de todas as categorias (no que um ingênuo suporia que, assim, me encaixaria em todas elas).
Se um dia escrevemos em blog para tentar ter alguma influência, não sem sucesso, na formulação e recepção de políticas públicas, não é isto seguramente que sustenta tal escrita. Mantemos estes espaços como aqueles diapasões da NASA no deserto de Nevada em busca de qualquer sinal no universo que indique que houve vida civilizada alhures que não na Terra; ou como o grito repetido pelo personagem do The Wall: “Tem alguém aí fora? Just nod if you can hear me!”; para-além da epístola aberta palaciana, há algo de garrafa-ao-mar em campo de refugiado: uma alegria de registrar que existimos de uma forma discrepante relativamente ao nosso entorno imediato, e uma esperança de que um desconhecido que também o seja nos ache, ou que alguém que ainda assim não seja se afete pela nossa sintaxe e se torne também ele um pária positivamente, e portanto um par nosso. Blogamos, enfim, por estarmos sozinhos, e para não estarmos sozinhos.
Muito dentro do lado de fora, e muito fora do lado de dentro, isto não deixa de dar resultados. Para ficar em dois exemplos, Allan Castro e Maicon Lopes são duas figuras que conheci pela internet porque blogamos – e com quem, embora pouco encontre, há reais e tranquilas intimidade e afinidade, ao oposto daquelas um tanto forçadas e artificiais que são gerenciadas por Facebooks…
(Poderia, por outro lado, dizer que blog é como a poesia segundo Marianne Moore: “eu também desgosto, há tanta coisa mais importante do que toda essa firula! No entanto, se olharmos para isto com certo desprezo, encontraremos nele um lugar para o genuíno… Mas não nos arvoremos em nos contentar com meio-blogueiros, e nem poderemos dizer que temos literatos de imaginação até conseguirmos criar ‘jardins imaginários com sapos reais dentro'”. E, se te inquieta tudo isso, estás sim interessado em blogar)