Salada de frutas brasileira à moda bahiana (ou: Elogio a Xibietagem)

11/10/2008 at 8:40

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Só uma coisa consegue ser tão escrachadamente bahiana quanto o Baile Esquema Novo: são os cartazes do Baile Esquema Novo.

Tenho dito que o Esquema é “a festa do pós-axezismo”, no sentindo em que ela só é possível quando, por um lado, o axezismo não precisa ser mais combatido (a ditadura do axé-music já ruiu por si, permitindo surgimento e retomada de outras tendências, como o próprio Esquema), e em que o axé foi reincorporado como parte legítima da cultura bahiana, desde que não impedisse outros ritmos mais ou menos autênticos, mais modernos ou mais tradicionais.

Como dizem os produtores desta que é, ao meu ver, a melhor festa regular do país hoje (sim, melhor do que o Grind da Lôca, em Sampa), o Esquema não é uma festa de “MPB” (conceito cariococêntrico, elitista e excludente), mas de música brasileira. Assim, sem o “popular” no meio, que compareceria antes como uma denegação – e a ausência do termo “popular” é o que garante justamente que a música será sobretudo popular. De Tim Maia a Leandro&Leonardo; de Chico Buarque a Cia do Pagode; de Frevos de Palco da Bomba do Hemetério a Chiclete com Banana; de A Cor do Som & Armandinho Macêdo (na guitarrinha elétrica baiana, criada por seu pai, o velho Osmar) a Funk Carioca. “Se é brasileiro, se é em português, a gente toca…”.

Essa mistura apreconceituosa e antipreconceituosa, mas não a-crítica (aliás, bastante crítica), tem suas raízes teóricas na primeira Tropicália. Mas sua origem é mais popular e, digamos, natural: vem desse clima bem bahiano de xibietagem. Termo aliás que Camilo Fróes, idealizador da festa, adora. Xibietagem é um termo ambíguo do baianês: vem de xibiu, que significa buceta, vulva; mas xibietagem significa “coisa de viado” ou “esculhambação excessiva”, embora xibieteiro signifique homens que não conseguem passar sem ter várias mulheres: um viciado em xibiu!

Os cartazes do Esquema são cheios de xibietagem! Além de extremamente bem fotografados, do ponto de vista técnico, procuram mostrar o avesso de Salvador: o brega, a origem imaginária do samba de roda e do samba duro, a periferia central de bairros algo lascivos como neste cartaz em frente a uma casa no Tororó, no centro antigo de Salvador (numa área chamada de “costas da cidade”, dentro dos vales das montanhas, onde ficavam os bairros dos excluidos da Salvador oficial da colonização: bairro dos negros, a Liberdade, dos judeus, Nazaré, dos índios, Tororó, e dos muçulmanos, a Mouraria):

Baile Esquema Novo: uma festa dos avessos de Salvador, cheia de xibietagem

Esquema Novo: uma festa dos avessos de Salvador, cheia de xibietagem

Dos avessos de Salvador também porque mostra esta população, digamos, semi-pobre, tradicionalmente excluída e (ab)usada sócio-economicamente – essa massa que causou o surgimento do axé-music e sustenta o carnaval, mas foi também excluída deste axé-music e deste carnaval por muito tempo (através do axezismo na sua forma mais acachapante: os blocos de corda, com abadás caríssimos!). Não é uma festa de protesto político sistemático, digamos, nem seus cartazes o são. Agora, que suas opções estéticas são politicamente causadas, não se furtam a mostrar isso, e têm efeitos políticos, não há dúvida!

Em geral, as fotos são colhidas de cenas reais da rua, que mostram essa xibungagem resistente e resiliente da Capital Diaspórica, como esta foto do negão em meio a uma barraca de frutas típica do bairro do Canela – acrescido, claro, do ar retrô do fone de ouvido imenso. E ar retrô costuma comparecer em tudo no Esquema, ainda que não seja uma festa “de música retrô”, ou não apenas de música retrô. Entretanto, me agrada especialmente essa sensualidade sexy e algo bissexuada que quase sempre comparece nestas obras-primas de cartazes do Esquema. Como neste abaixo, da edição especial do Dia Internacional da Mulher:

Quem quiser ver mais cartazes, é só ir nos arquivos fotográficos de Camilo Fróes no Orkut. O endereço é: http://www.orkut.com.br/Main#Album.aspx?uid=1121558504629529316&aid=1200252340