Uma Maçã na Cabeceira – IV
Virtualmente, conheci o Sensho no twitter (e creio que vice-versa), no meio da crise de desencanto da Viadagem Institucional Brasileira para com a Geisel de Calçolão que hoje senta no trono da Alvorada e caga-regra. Isto é: quando Dilma Vana Rousseff baixou as calças para os crentes, e recuou do kit anti-heterossexualidade-compulsória (tanto kit-gay quanto kit-anti-homofobia me parecem termos errados, que apenas tangenciam a questão real – e não, pela bilionésima vez: não só não sou Queer, como sou Anti-. Acho Judith Butler uma idiota de babar na gravata; eu sou Freudiano, porra!) .
Naquele momento, entre o mar de queixumes e lamúrias apocalípticas (ou por outro lado de conciliatorismo tardo-PTista), Sensho e eu pareciamos (como em lados opostos de uma ponte, e sem jamais nos falarmos diretamente) ser os únicos dois a dizer “nem tanto ao céu, nem tanto ao mar”: sim, o Lulismo de Resultados levado ao paroxismo com a Generala-Marechala era um horror, só que a gente já sabia disso no meio do pleito de 2010; mas também não era pra ficar chorando pitanga. Eu combatia as duas frente com a xibietagem melada de dendê, salgada no Porto da Barra e no Yacht Club da Bahia, meio jesuíta; Sensho, com um humor de monge rinzai, a placidez do wu-wei taoísta, e a elegância heráldica do confuncionismo Tang (o “homem superior”, dos Analectos).
De lá pra cá, minha admiração pelo sinófilo e pseudo-sinodescendente (seus olhos grandes negam os signos que prega em torno de si) cresce na medida da parcimonia (para não dizer raridade), sofisticação sem pendantismo (em tudo, aliás, digna de Roland Barthes), e capacidade de, sutil como um bibliotecário cego, mudar os conceitos de lugar – torná-los problemáticos, como neste célebre post, que seguramente angariou-lhe mais leitores do que até então, sobre como a esquerda precisa sim aprender algo com os evangélicos. Ou de fazer uma arqueologia do mesmo discurso pós-protestante neo-pentecostal.
Tenho particular apreço pelo caráter de crônica com que, narrando fatos comesinhos e cotidianos de sua estada na China pós-Deng, mostra não apenas as idiossincrasias daquele país, como a partir delas as nossas – gosto de assim pensá-lo como um Marco Polo tupiniquim e tardio (nesta crônica sobre os rumos de São Paulo e porque votar em Fernand Hadad, mas que vale para qualquer cidade brasileira). Ou ainda de suas memórias de uma vida infantil em cidade de interior, a partir da qual crítica de uma só vez o hábito medioclassista de não cozinhar para si mesmo (salvo em ocasiões de festa) e o fato de que o feminismo à brasileira não se deu com compartilhamento de tarefas, e sim sobrecargas sobre as mulheres mais pobres.
E, de todas as maçãs que mantenho em minha cabeceira, este dazibao involuntário (as chamadas em vermelho no meio do texto; o texto no meio da página, e a fotografia do autor sendo um carimbo imperial, em tudo me lembram esta forma de anti-jornalismo maoísta), tanto mais por eu ter decidido não ter internet em casa e daí não poder mais ler nela de madrugada, o Senshô me parece outra fruta, mais delicada, e de se abrir com canivetes muito precisos: uma lichia.