As Vênus do Baby-Doll de Naylon
Por uma antropologia pornô-chancheira do Orkut pós-2006
Diz-se, muito apressadamente, que o Orkut se tornou ruim depois de 2006. Como se até aquela data fosse um espaço restrito a escolhidos, limpo, bem-pensante. Sem dúvida, isto foi crucial para a reeleição de Lula nessa data e para a eleição de diversos governadores de esquerda então.
O erro está em supor que, após aquela data, o Orkut entrou em decadência (tal qual o MySpace). Bem ao contrário, penso que a favelização do Orkut de 2006 pra cá é apenas mais um dos sintomas da ascenção selvagem da classe sem nome. Sendo assim, não houve “decadência”, mas uma consequência inevitável do efeito do Orkut pré-2006: os ex-pobres também querem ter crush-list, mandar scrap e fazerem comunidades virtuais.
É preciso compreender o que aconteceu lá de modo similar ao que aconteceu com o cinema brasileiro ao fim do Cinema Novo e do UdiGrudi, mas antes da Retomada. O Orkut virou pornochanchada justamente quando a internet em geral se tornou facebookianamente chata e previsível. Ao invés de ativismo de click, as fotos do churrascão na laje, do cachorro da vizinha, e as tentativas de pegação pansexualista. Aliás, para compreender melhor a pornochanchadização do Orkut é preciso levar em conta seu primo mais novo, que já nasceu na Boca do Lixo: o Badoo. Uma antropologia do Badoo precisaria mostrar porque e como os pobres, que até então malmente podiam admitir o desejo pelo mesmo sexo, agora ativamente procuram parceiros sexuais, com foto de rosto e tudo. As bichas porteiro, bichas gari e bichas pedreiro, que obviamente sempre existiram, agora ganharam representação virtual, uma existência a mais – e podem fazer aquilo que o playboyzinho de classe média sempre fez escondido de papai, mamãe e da namorada: isto é, fazer. (Fazer, no intrasitivo, em bom viadez, significa foder com homens – nada tem a ver com ser homossexual, que ninguém precisa desse entulho, o verbo ser, salvo os que carregam culpa e dívida). E se autorizam a isso. E começam a perder vergonha disso.
Enquanto isso, a canhotinha nativa está preocupada com o devir-evangélico do mal-dito Consumitariado. Não seria mais provável que o discurso evangélico seja uma formação reativa, altissonora mas de apenas uns poucos, contra toda essa cupidez de teatro-de-revista e cinema de centrão a que os pobres, finalmente!, têm acesso?
Aliás, devo tais reflexões à coragem do Panorama Internacional Coisa de Cinema ter feito uma mostra de Pornochanchadas na edição deste ano – tanto mais por ser no mesmo ano que o Pagodão baiano é perseguido por Leis Anti-Baixaria, seja lá o que isso queira dizer. Nada mais correto: num complexo cinematográfico no centro velho de Salvador, cujo nome homenageia Glauber Rocha (que, surte aí esquerdalha, era Batista!), ter sessões de quase pegação. Até porque se os cinemas de centro precisam voltar a ser cinemas, e não semi-puteiros insalubres, por outro lado é preciso também autorizar estes espaços. Dito de outra forma: se para abrir o Hotel Fasano na Praça Castro Alves (e é um tipo de gentrificação bem-vinda: bons hoteis completam, e dão vida, à praças, nos lembra a insuspeita Jane Jacobs) foi preciso fechar o Cine Astor (local de ganha pão de muito traveco baiano), não pode ser sob o preço da total exclusão. O cinema pornográfico é tão cinema quanto qualquer outro, e se o cinema de bairro sempre serviu para amassos de início de namoro de moças bem-comportadas, por que não pode também servir para a putaria pura e simples? Onde exatamente está o divisor de águas?
Diga-se de passagem foi o cinema pornô de pegação que manteve as salas de centro de cidade vivas, agora em vias de revitalização (leia-se: gentrificação), e as impediu de virarem templos evangélicos como ocorreu com outros cine-teatros de bairro (e não apenas de subúrbio), muitos dos quais outrora foram também casas de vaudeville e teatro de revista ou cabaré. Da mesma forma, foi o cinema pornográfico e a pornochanchada (junto com a telenovela) que manteve o público popular do cinema, tanto brasileiro quanto gringo, quando aqui e alhures se entrou no elitismo do “cinema de arte” (ou de autor) X cinema industrial e de multiplex (o que, claro, deixa de fora o artesanal, popular e circense).
O que nos leva a um terceiro ponto: talvez só com o advento da internet o cinema pornográfico pôde alcançar um patamar de rigor estético similar ao de outros cinemas, e ao dos clássicos da literatura galante de outrora. Foi preciso um barateamento radical dos meios de produção (o que não deixa de ter a ver com a abertura do Leste Europeu e a quantidade de meninos lindos e ávidos por dinheiro e pica), com uma ampliação sem precedente de público (e de um público que não iria aos cinemas decadentes de centros de metrópole nem alugaria videos nas salas reservadas das videolocadoras), e uma certa simplificação tecnológica (câmeras digitais pequenas o suficiente, mas de alta definição, para alcançar ângulos e closes que as de película e mesmo as de VHS não chegavam) para que começasse a surgir autoralidades radicais como a BelAmi e a Falcon, para ficar em apenas dois exemplos. Se a internet serve para a pornografia, a pornografia também serve para a internet.
Sem óbice, isso nos aponta para que a viadagem brazuca deveria parar de se queixar e meter a mão na massa, não para fazer filme pornô, mas novelas pornochancheiras para o Youtube, com roteiros surrealistas, personagens caricatos e tudo mais. Não se trata meramente de uma antropofagia do cinema queer-punk de Bruce La Bruce ou da porn-art Zentropa de Lars von Trier; mais-além, é um auto-resgate macunaímico do que fomos e do que podemos ser; do que, junto com a canção brega e cafona, abriu trilha pra fora da Ditadura Militar, e agora pode superar a estética da fome com uma estética do apetite. Nem dungeon, nem cama redonda de motel: como diria Darcy Ribeiro, coisa bonita se faz na rede.
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