Maçãs na cabeceira – III
Melhor seria que esta postagem se chamasse de Cajús ao invés de Maçãs: sazonais (em bahianês arcáico se diz “de cajú em cajú” para coisas cujo ciclo é lento), delicados, travosos embora doces, tropicais, do povão embora sofisticados – Maycon Lopes e Allan Castro, por vias díspares, fazem alguns dos melhores blog de viado talvez da lusa língua.
Sim, de viado (e, caros editores e revisores: viado se grafa com i, corruptela de desviado ou transviado; veado com e são os alces, cervos e antílopes, como nos lembra Millôr Fernandes). Justamente porque se opõe, cada qual ao seu modo, à Viadagem Institucional Colonizada Brazuca, é que estas bichinhas não podem jamais serem chamadas de viadinhos.
Tirante o fato de que ambos colocam a giripoca pra piar, e escaldam os GLBTTWZ-KY em dendê fervente, nada mais de comum compartilham entre si. Maycon, minha bichinha de pelúcia, de falar ralentado, feirense-de-santana, levemente alheio ao mundo e perdido no tempo e no espaço, seletivo nas relações sociais, espírito de Von Aschenbach morando em corpo de Tadzio, diurno e marítimo como um estudo de Gustav Mahler, emula um fraseado de sofisticação acadêmica, quase perífrase proustiana já no título do site: No Que Tange. Um Thomas da Silva Bruhns Mann ao contrário, Maycon é meio feérico, não é deste mundo.
Cheguei a ele por este brilhante post em que enaltece o fato de puta ser puta mesmo, e não profissional do sexo. E é particularmente saborosa o modo com que politiza, poetizando, suas vivências pessoais mais comezinhas, seja num comboio em Portugal ou numa enseada do Rio Vermelho ou no Campus de São Lázaro, onde a maconha é liberada, mas a viadagem o é bem menos que o furto, o assalto, o estupro e o assassinato. Ou como ele ficcionaliza fatos jornalísticos e subverte a má-consciência cheia de cristandade do dito Movimento Gay, que não passa de ser burguês. Desprovido de idealismo festivo, ainda domina bem o verso. E como eu, defende que a Vereadora Léo Kret é mais representativa dos xibungos de subúrbio, mal-grado o voto nêla tenha sido de uma direita sub-proletária e despolitizada, do que qualquer Grupo Gay da Bahia.
Seu Castro é de outra cepa: drag-queen sem fantasia, incorpora todos os clichês da viadagem fechativa e os subverte. Pseudo-astrólogo, voz estridente, jeito de travesti-mirim, rueiro, brega, breguérrimo! – uma festa ambulante. Incorpora os clichês da nigrinhagem, mas também certa marrentice heterossexual de periferia. Escreve em bahianês franco (no sentido em que Petrônio escreveu o Satiricon no latim de rua), profusão de bróder, de rei, de mainha e de painho. Se Jorge Amado chupasse rola, seria Alan Castro. Tolerância nenhuma pra pau-no-cuzice de playground da Pituba, mesmo que se manifeste num moleque de periferia (aliás, tanto pior se assim o for), conhece os becos, as reentrâncias salientes da porca, suja, fedida a sexo, Cidade da Bahia. Pouca gente há que faça tanto a política dos afetos, ou que tenha tão pouco prurido com o politicamente correto de certa esquerda insípida e carmelita.
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