O que quer o Cinema Inglês?
De uns tempos pra cá, o United Kingdom resolveu parar de, como diz Jean-Luc Godard, “fazer o que sempre fez pelo cinema: isto é, nada” – e de uma forma bastante peculiar, produzindo filmes encomiásticos sobre personalidades que variam do medíocre ao desprezível.
Não é dizer que nada preste: The Queen e The Young Victoria recolocam a importância das mulheres a frente da casa de Windsor (maldição de Henrique VIII ao contrário), de modo que eu, bragancista, queria ver algo similar sobre o jovem Pedrinho de Alcântara (já que só se exalta o velho Pedrão II, barbudo e diabético, e olhe lá! – quando não o chamam de escravocrata, logo ele que construiu a abolição da escravatura palmo a palmo e foi destronado por isso – esquecendo-se que foi ainda adolescente que tomou uma das mais audazes medidas de soberania nacional neste país até hoje: a Tarifa Alves Branco).
Façamos antes uma breve arqueologia. Se Godard está certo em dizer que, sob a Segunda Guerra, se se fez cinema durante a resistência (Hollywood), sob a resistência (França da Pathé) e de resistência (Itália, sem CineCittá e sem filmar uma só película) – não é só que a Inglaterra “fez o que sempre fizera: nada”. É pior! A Grã-Bretanha viu um êxodo de seus mais promissores cineastas para Hollywood nesse período (Hitchcock, Joseph Losey e o ainda jovem Stanley Kubrick), em tamanho similar apenas ao que ocorreu com a escola austríaca (Schlöndorf, Stromheimer, Billy Wilder, Otto Premingher) e com o que restava do expressionismo alemão (principalmente Fritz Lang).
Por outro lado, só a Inglaterra fez rádio de resistência (no sentido que a Itália fez cinema de resistência) e sob a resistência (como o cinema da Pathé francesa) e durante a resistência – através da figura maiúscula de Winston Churchill, que tem o mérito de ter sido o único governante democrático ao ponto de realizar eleições sob bombardeio num momento de tal endurecimento centralista do mundo em que até os Estados Unidos da América viviam o micro-golpe de Roosevelt e o reelegiam pela terceira vez seguida.
E nisso Churchill leva adiante o experimento radiofônico do pai do cinema moderno, Orson Welles. Se Welles se usa do impulso de verossimilhança que o rádio tem para transmitir como verdade a falsa notícia da invasão marciana do conto de seu semi-homônio (a gente devia eleger Welles o patrono do Anti-Jornalismo, seu tema nêmesis quer nesse episódio, quer em Kane, quer em Touch of Evil, e quiçá sua leitura de McBeth não é entender as feiticeiras como paparazzi urubuzentos), se Welles faz isso Churchill faz igual, mas justamente o contrário: narrar cada vitória (e derrota) como se fosse ficção, elevar a idéia de vitória sobre o Mal como destino manifesto dos Realm. Se Welles faz da ficção um fato, Churchill faz dos fatos ficções – e com isso, armas de guerra. (Canhotinha & esquerdalha: reconheçam nele um gênio, fazendo favor…)
Agora, tardiamente, as Ilhas Britânicas começam a ver no cinema uma forma de propaganda – não mais interna (nenhum sudito de Her Majesty vai acreditar que Tatcher era superlegal, e que quem venceu a guerra foi um Rei Tartamudo, gimme a break!) mas externa. De repente, a Inglaterra achou por bem convencer o mundo de que personagens néscios são geniais, e está a beira de conseguir. Nisso, o dito cinema inglês contemporâneo é uma peça de propaganda barata – como o cinema nazista de Leni Rifenstahl, sem seu gênio é claro (porque é de gênio que se pode chamar aquela decupagem, aquela montagem, de Olímpia ou de Triunfo da Vontade: verdadeiras obras-primas da geometria grandiloquente, disputando pódio com os primeiros Kandinsky e Braque).
No recente filme sobre a Dama de Ferro isso fica patente, só que o tiro acaba saindo pela culatra. Ao querer vender ao mundo a idéia de que o neoliberalismo extemporâneo e zumbi é válido, o filme acaba mostrando como este capitalismo sem sofisticação (os neoliberais, se lessem Adam Smith, saberiam que o tamborete precisa de três pés pra ficar em pé: capital, trabalho e estado) é fruto da própria mediocridade burguesa. Se no que Walter Benjamin chamou de “auge do capitalismo” (o período, aliás proustiano, que tem apogeu e queda na Primeira Guerra Mundial) a burguesia se aliava a aristocracia, e se no período seguinte da Nova e Eterna Aliança do New Deal a burguesia se sofisticava emulando a aristocracia ao mesmo tempo que tentava se identificar ao proletariado (é daí que nasce o jazz), agora não: qualquer iletrado pode governar uma potência. Foi assim com Richard Nixon, piorou com Ronald Regan, virou paroxismo com Bush Filho (Bush Pai ainda tinha lá uma heráldica), e com Lady Tatcher não foi nem um pouco diferente.
De tanto combater o trabalho e o estado, a burguesia também ela se tornou o que ela produz no Outro: lumpenzinato, miséria moral e intelectual. Efeito que não ocorre só nos paises do norte: Pinochet, no Chile, e o Carlismo, na Bahia, nunca foram parte da burguesia tradicional nem da aristocracia – bem ao contrário, pequenos burgueses que ascendem por pequenos golpes e traições, fazem surgir atrás de si uma burocracia estatal endinheirada e grosseira, e uma esquerda não menos. Se é isso que o cinema inglês quer, não sabemos. Mas é seguramente o que ele pode vir a conseguir. Trata-se de um mecanismo de superestrutura para fazer passar as reformas de infraestrutura mais neoliberais ainda que vêm sendo implementadas desde a quebra bancária de 2008. E isto é só o começo.
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