nem Jules, nem Jim
Se com Eu Matei Minha Mãe, o jovem cineasta canadense Xavier Dolan fez uma interessante, e pouco óbvia, variação homossexual do tema da infância marginal-cinéfila tão caro a Jean Vigo e François Trufaut, com seu novo Amores Imaginários ele tropeça em excesso de referências, às vezes bem óbvias, e que não passam disso: exercício de eruditismo quase nerd, auto-erotismo intelectual, cinefilia masturbatória.
O filme consiste numa idéia que não deixa de ser interessante: uma inversão sintagmal na fábula de Jules & Jim – Uma Mulher Para Dois, clássico sublime do anti-namoro do então imberbe Trufa. A idéia não é de todo nova, e é claro que esta fita de Dolan dialoga superficialmente com Os Sonhadores, o último clássico que o mestre supremo Bernardo Bertolucci: em ambos os casos é um homem, de anatomia andrógina (para não dizer seráfica), que ocupa o lugar da persoangem sem nome originalmente representada por Jeane Moreau; e, consequentemente, a disputa erótica por este objeto de desejo partilhado passa a se dar entre um rapaz e uma moça – e não mais entre dois rapazes, como em Jules & Jim.
A semelhança da torsão sintática acaba por aí: em Bertolucci, trata-se de um erotismo difuso, enclausurado, e ambissexuado como metonímia das contradições parisienses (de esquerda como, se apoiamos Pompidou? de direita como, se já não suportamos o gaullismo chucro indigno de André Malraux?) no raiar do maio de 1968 – e também do nascimento da Nouvelle Vague, que é um caso de amor dos intelectuais franceses com a cultura pop (e não só o cinema) americano. Aliás, Bertolucci faz uma homenagem a si mesmo: Os Sonhadores é o Antes Da Revolução lúbrico e na horizontal!
Em Amores Imaginários, ao contrário: idealismo demais, erotismo passa longe, ninguém come ninguém, ninguém beija ninguém, ninguém procrastina o gozo em nome de uma contradição ideológica ou de um dilema político. Ao colocar um homem no papel que foi de Moreau, Dolan não acirra a ambivalência genital de Trufaut como fez Bertolucci, mas a anula numa viadice de viadinho poliqueixoso de sub-militância GLBTTWZ-KY – trata-se de um filme dentro do armário, quando Dolan é de explodir armários e Bertolucci e Trufaut preferem prateleiras. Aliás, o próprio personagem objeto de desejo não se dá conta de que é desejado pelos dois amigos (Dolan e a moça sua companheira), e daí não conduz a situação libertaria e libertinamente (como Jeane Moreau, feminista avant la letre e do avesso, fez) nem se deixa levar para a formação de um saber zen de alcova, budismo sensual (como o rapaz americano do filme de Bertolucci).
Se Dolan quis dizer algo com essa releitura, não de um só clássico mas de vários (tal qual seu primeiro longa, que não relia apenas Os Incompreendidos – Les 400 Coups), talvez diga aquilo que cala: retrata uma geração facebookiana, para quem a idealização mistificadora não tanto de uma relação amorosa mas até mesmo de uma mera fast-foda é mais interessante do que o desejo, o gozo, os riscos do corpo. Quem frequenta salas de pegationtion em chats da UOL sabe do que estou falando.