Sem medo de parecer/ser de esquerda.
Há semanas tenho dito que a disputa pelo Palácio Tomé de Souza (suspenso na escarpa das Portas da Misericórida, com aquele desbunde de vista inteiraça para um sol que se põe na maior baía do hemisfério sul deste planetinha), este ano, é a disputa municipal em que mais claramente os candidatos ocupam posições no escopo direita-esquerda, sendo a única em que todos os grandes partidos, e apenas os grandes partidos, têm candidatura própria.
Este cenário acaba funcionando como uma inflexão temporal proustiana na política da Nova República: ao mesmo tempo que reencena, a nível municipal, a primeira presidencial de 1989, antecipa e ensaia o que pode vir a ser 2010. É mais um dos sintomas de que a Ditadura Militar aqui durou 40, e não 20 anos, e acabou de acabar agora, em janeiro de 2007. (Qualquer semelhança entre reações festivas a morte de Toninho Malvadeza e a do chileno Dom Augusto Pinocchio não é mera coincidência).
Senão, vejamos. Grampinho aparece emprensado entre dois lugares que já não mais existem. Por um lado, herdeiro de uma direita feudal e escravocrata, que renega, e por outroo bastião da modernidade – modernidade esta já mofada, posto que representa o neoliberalismo que, como até George Bush sabe, teve sua missa-de-mês na Segunda-Feira Negra desta semana. É, em ambas as hipóteses, a extrema direita privatizante.
Na centro-direita algo democrática, com tentativas de polidez européia e tentando responder a uma lógica mais de Estado que de Governo, está Antônio Imbassahy, numa dupla PSDB-PPS. Os auspícios de Roberto Santos colaboram, mas nem tanto, para isso.
Curioso mesmo nesse escopo estão João Henrique e Walter Pinheiro. JH vem de uma ala populista, egressa do PDS para as hostes brizolistas assim que o PDS se desfez, nos anos 1980. É a velha direita varguista, que não é privatizante e é trabalhista ao seu modo – uma direita metida a esquerda, que no fim é centrão. Não o centrão ponderado e culto, mas o centrão fisiológico. A medida do meio, na política, por vezes aparece como medida da mediocridade. Migrar do PDT para o PMDB de Geddel Vieira Lima, neste caso, é sintomático. Se Vargas nos evoca Charles DeGaulle, João Henrique Carneiro parece mais um François Bauyrou, candidato a presidência da França na última eleição.
Bayrou é o centrão cretino, que acaba, por falta de rumo, sendo mais reacionário que os facistões (e não atoa Bayrou recebeu apoio do ex-República de Vichy, colaborador direto da Gestapo, Jean Marie Baptiste Le Pen). É tão cretino que até a direita raivosa, e nem um pouco (mais) brilhante, como Diogo Mainardi, dizia preferir a socialista Segoléne Royal a essa anodinia arriscada e interesseira: achavam menos pior.
João Henrique representa esse tipinho de alpinismo político. Sua gestão é melhor do que a de Imbassahy, quando este estava engessado pelo PFL carlista? Sem dúvida – mas isso não é grande mérito. O mínimo de senso de democracia e responsabilidade social garantiriam isso – e ambos podem advir apenas de ganhos narcísicos e populares comezinhos e mesquinhos.
Por outro lado, Walter Pinheiro chama atenção porque não tem vergonha de parecer, ou ser, de esquerda – num tempo em que o PT, ou o Governo Lula, como diz um amigo “deixou de ser de centro-esquerda, para virar Centro-Avante”. Pinheiro estampa foto de Che Guevara em panfletos enormes com suas propostas de governo dentro; diz, com orgulho, que se criou no Uruguay e no Largo de Roma (dois bairros tradicionalmente do proletariado industrial e da classe média baixa do funcionalismo público old-stile – meus avós paternos vieram de lá, também); e sua música de campanha abre com os seguintes versos: “leva Salvador no peito / esquerdo / leva no coração“. Assim mesmo: “esquerdo” fica destacado, num crescente maior, isolado num só verso, quase gritado. Sua origem partidária não nega: vem da Democracia Socialista (e não do centrista e sedento de poder Campo Majoritário), e chegou a ameaçar ir pro PSOL no auge da crise de 2005. Esta imagem (de que ele “trairia” o PT) é explorada por adversários, especialmente por JH. A mim, particularmente, tais imagens agradam mais do que desagradam. E agradam duplamente: por ter tido a coragem e a lucidez de arriscar-se a romper com o PT; e por ter tido a coragem e a lucidez de não ter rompido, evitando ir para um partido que, por puro ressentimento, é capaz de se aproximar de Jorge Bornhausen (como vimos algumas vezes a Senatriz Heloisa Histérica confraternizando com esta raçazinha nazi-integralista).