A Maçã na Cabeceira – II
No universo cicloviário, ativista ou não, há basicamente dois tipos de usuários de bicicleta: os aficcionados por bike, e que dela entendem tudo ou quase tudo, mas que quase nada entendem de cidades e nem se interessam por estas; e os aficcionados por cidades, que pouco entendem de bicicleta enquanto tecnologia em si por tomar estas apenas como utensílios para usar as cidades (como um garfo é um utensílio para comer – eu obviamente estou neste segundo grupo).
O ainda jovem (não tem um ano de atividades, ainda) blog “as bicicletas” (assim mesmo, tudo em minúsculo) rompe esta dicotomia. Consegue tratar, e bem, das questões urbanas, do direito a cidade, e ter uma riqueza de detalhes técnicos sobre componentes de bicicletas, tipos de alimentação para competição, etc. Isto é: ser CycleChic e biker-fantasiado-de-lycra ao mesmo tempo, sem resvalar no capacetismo e sem esquecer-se de são os pobres, proletários (principalmente as mulheres pobres), alheios a estas querelas, os maiores usuários (e beneficiados) da bicicleta como meio de transporte (e de lazer). O que condiz a perfeição com seu subtítulo: “bicicletas. todas. sempre. tudo sobre bicicletas.“
Tudo mesmo, inclusive filosofia moral! Seu autor, Prof. Odir Zuge Jr., advogado paulista, é capaz de num post sobre as Massas Críticas, e dialogando diretamente com um texto do movimento original de São Francisco na Califórnia, trazer Spinoza e Foucault para o debate. Ou em outro, tratar da legitimidade que os ciclistas têm de se sentir moralmente superiores do que os motoristas – sem nenhum proselitismo.
Me agrada em especial o fato de todos os textos serem grafados sempre em letras minúsculas. Talvez porque isto evoque a poesia de e.e.cummings, que me é muito cara; mais provavelmente, pelo senso de humildade e oralidade que se transmite prosodicamente nisso; esta dupla-face de ser um blog ao mesmo tempo erudito tanto em ciência política quanto em mecânica tecnológica, e modestíssimo em seu linguajar.
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