SECULT partida ao meio
Passado o frisson da troca-da-guarda de Márcio Meirelles para Albino Rubim (que nem foi tão troca-da-guarda assim…), já é possível sentir algumas diferenças no clima institucional da nova gestão. Se as diferenças materiais, quer em políticas públicas quer em quadros técnicos, é quase nenhuma, há distinções sutis, e nem sempre positivas, numa visãoda relação deste órgão de estado com a sociedade.
Muito se diz que a gestão de Albino Rubim seria melhor que a de Marcio porque mais institucionalizante, quer tecnicamente (ele é doutor rigoroso numa área em que Marcio é apenas um intuitivo brilhante) quer politicamente (o fato de ser um homem de partido, e ter sido escolhido como Secretário de Cultura justamente por isso). Pode ser, mas há aí uma falácia: é fácil ser melhor do que Marcio, depois de Marcio – como é fácil ser pior do que Márcio, depois dele, uma vez que foi ele que levou adiante, com destemor e inventividade, a tarefa de dar a Bahia finalmente uma Secretaria específica de Cultura com um orçamento condigno ao estado cuja capital é a mais antiga, e culturalmente efervecente, talvez das Américas.
Há ainda neste tipo de afirmação uma arapuca midiática: aqueles que falavam mal da gestão de Meirelles hoje já começam a elogiá-la – a exemplo da Rádio Metrópole que agora se rasga em elogios ao Carnaval Ouro Negro e ao Neojibá. Mas, quando convier, usará isso contra Albino; e quando convier, usará Albino contra a herança de Marcio – num tipo de jogo de “cara eu ganho, coroa você perde” similar ao que é feito nacionalmente na comparação Dilma X Lula. Claro que os dois são macacos velhos, e próximos o suficiente, para na última hora não cairem na armadilha – mas vão permitindo (especialmente o atual Secretário) que ela vá sendo montada.
Esta armadilha é coonestada pela SECULT a partir do momento que, tendo a frente da pasta agora um jornalista, resolve se aproximar amigavelmente de órgãos de imprensa que todos sabemos serem comprados pelo Axé-System, além de falidos e por isto mesmo praticantes de chantagem institucional contra o governo estadual de plantão. Claro que a gestão anterior da SECULT se afastou demais, e muito abruptamente, da mídia tradicional em direção a mídia dita alternativa, da internet – e isto eu mesmo já critiquei – o que lhe rendeu transtornos além dos que espontaneamente já teria. Mas fazer o caminho inverso agora não é apenas indesejável, como impossível ao seu modo. E não se trata apenas de a SECULT estar por demais próxima da mídia gorda, mas de ter se distanciado, encastelado mesmo em gravatas-e-paletós, em relação a sociedade – com quem o antigo Secretário mantinha relações fisicamente diretas, além de ler sistematicamente o que nós blogs dizemos e de levar isto em consideração. O que, convenhamos, Albino Rubim (alguém de quem se diz que não tinha nem conta de e-mail nem celular até poucos meses atrás) está longe de fazer.
Em tempo: não digo, com isso, que Albino Rubim foi uma má opção. Foi excelente, e ademais não haveria outro nome possível. Só que se trata do que João Cabral de Melo Neto chamaria de boi-de-coice: aquela parelha que no carro-de-boi vai atrás, freiando-o para que não capote. Albino não é um retrocesso, mas será uma gestão burocrática e cartorial, excessivamente prudente talvez, onde Marcio foi inventivo e audacioso – por vezes, é verdade, no limite da temeridade (sem o quê, convenhamos, não seria possível salvar o Axé-System de sua própria ruina, que já nos estava tragando a todos).
E claro que é importante que a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia tenha ganhado tanta relevância (e orçamento!) que passou a ser disputada por partidos políticos – é, aliás, mais uma prova da excelência da gestão de Meirelles, como Rubim mesmo não se cansa de lembrar publicamente. Contudo, daí para cair no embevecimento do “somos finalmente uma instituição de partido!” é um issozinho, com todas as consequências nefastas que traz: aparelhamento da máquina pública, subsequente lentificação dos processos por disputas internas, afastamento da esquerda não-partidaria e da intelectualidade não-acadêmica (que, no futuro, quando o enlace atual com a imprensa empresarial fizer água, pode não estar nem um pouco disposta a defender uma Secretaria que antes apoiava, e que lhes virou as costas), etc.
Para não ficarmos só em constatações abstratas, vamos aos fatos. Sobre o encastelamento da SECULT atual, observe-se o uso recorrente do título “Doutor Albino Rubim” em diversos press-releases. “Mas ele é médico, pode usar o título” – bem, ele não ocupa cargo privativo ou preferencial da medicina, agora; “Mas ele se doutorou na área!” – certo, só que o tom em que “Dr.” aparece aí é quase como uma nobiliarquia do 2º Império, e menos como uma deferência por mérito. Outra, sobre o aparelhamento da máquina, que tal a Secretaria da Cultura anunciar por seu twitter o lançamento de um livro de Dr. Albino Rubim enquanto militante partidário, publicado pela editora de seu partido, com direito a estrelinha e número 13 e tudo mais na imagem veiculada por essa Secretaria de Estado?! Ou a SECULT virou um órgão do PT, e não do Governo Estadual, ou teve tropeço aí.
Tudo isso podem ser impressões falsas de minha parte, e mal-entendidos típicos de freios de arrumação internos de instituições públicas. Oxalá seja mesmo apenas isso! Caso não for, está dado aqui meu alerta, com antecedência suficiente para contar como vacina e prevenção de um futuro possível endireitamente involuntário, e ao meu ver muito precoce, desta sensível área.
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