A ignorância Celestina
Antes mesmo de Albino Rubim tomar posse como Secretário de Cultura, mas quando já havia aceitado o convite e sido nomeado para o cargo, o decano do des-jornalismo nagô Samuel Celestino realizou entrevista grosseira com ele. Realizou não: pela qualidade das perguntas, quer sintática quer semanticamente, deve ter mandado um estagiário, um foca. Isso mesmo: um inexperiente foi mandado pelo auto-intitulado “maior site de notícias da Bahia” para entrevistar um dos mais importantes dirigentes culturais do país.
As respostas de Albino Rubim são uma aula – não apenas de pensamento político e de políticas públicas, como de como é que um político de verdade (o que Márcio Meirelles não era) enfrenta esse des-jornalismozinho de muriçoca que grassa & abunda em São Salvador.
Focarei assim meus comentários nas perguntas do dito-cujo entrevistador – são esclarecedoras no que têm de estapúrdias. Já na terceira pergunta (que não é senão uma repetição das duas primeiras que o Secretário já havia respondido a contento) ele lasca:
BN – Porque Márcio era um diretor de teatro. O senhor é um pesquisador de Cultura…
Como assim “Márcio”? Ele se refere ao ex-Secretário de Cultura do Estado da Bahia? Ele priva da intimidade da casa da família Meirelles? Sim, porque eu, que até presencialmente e no contato individual chamo o ex-Secretário de “Marcio” (e aqui, a título de blague chamo de “Sêo Marcio” ou “O Velho do Vila“), não me dirijo a ele publicamente, ou dele falo publicamente, senão com nome e sobrenome.
Questão de educação doméstica. De etiqueta. Mas sabemos que o jornalismo bahiano tira meleca na frente da sogra, e peida (alto!) no cinema.
BN – Mas alguns defendem que quanto menos política na cultura melhor. O que o senhor acha disso?
Os “alguns” que dizem não politizar a cultura (isto é: terceirizam e privatização a função de politizá-la, à direita), perderam as eleições, Pedro-Bó…
(Alguém mande esse menino conhecer Jairnilson Paim, pra ele entender que até na Saúde não tem política pública que não seja também ideologicamente política – e não há nada de errado ou ruim nisso. Nas democracias é assim – nas ditaduras também, só que ninguém pode dizer que é assim).
BN – Então o senhor vai fazer uma gestão de continuidade…
Não, Pedro-Bó, Jacques Wagner nem se reelegeu, e a política cultural é tão ruim que não aumento em 400% (quatrocentos mesmo) a frequentação museológica, nem o Concerto de Natal do Neojibá teve mais de 4mil pessoas assistindo na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, com pico de audiência na transmissão simultânea da TVE para todo o estado.
BN – Falando em limites do Estado, o senhor reclamou, assim que tomou posse, do orçamento para a Cultura, que é baixo, pequeno. O que pretende fazer para aumentá-lo?
A Bahia tem o maior orçamento per-capita de Cultura do país – sendo que a 4 anos atrás, nem Secretaria específica pra área tinha.
Próxima – como disse o próprio Secretário Albino ao foquinha – asneira?
BN – Muitos músicos consagrados, estabelecidos no mercado, recebem apoio governamental para tocar seus projetos. E os artistas do pagode baiano, manifestação bastante popular no cenário local, também terá vez na nova gestão da Secult?
Com essa, o foquinha se superou! Uma coisa é entender que o pagodão não compactuou integralmente com o Axé-System, ou só compactuou porque se viu sozinho e o Anti-Axé (mormente o rock) demorou para entender que era melhor acolhê-lo do que empurrá-lo para longe – e para os braços do baronato empresarial.
Uma coisa é entender isso, entender com isso que o pagodão é um faixo de criatividade e autenticidade no metier corrompido, mediocrizado e pra-paulista-ver que é o Axé-Music.
Outra, bem outra, é esquecer que apesar disso tudo o pagodão tem um lastro empresarial potente por trás, inclusive com jabá a rodo, e que não precisa que o Estado lhe financie – aliás: um estado que fizesse isso estaria prevaricando tanto quanto se desse dinheiro para Bel do Chiclete.
* * *
É triste, muito triste, que o primeiro ato de Albino Rubim como Secretário de Cultura do Estado tenha de ter sido cortar um dos três programas de fomento ao Carnaval no Anti-Axé: o Carnaval Pipoca. Especialmente se levarmos em conta o modelo de 2010, em que o Carnaval Pipoca e o Carnaval No Pelô criaram uma interface: quem ganhava se apresentava em ensaio no Pelourinho antes do carnaval, tocava nos dois circuitos em trio elétrico e no Pelourinho em palco, e depois no Pelô de novo como uma “ressaca pós-carnavalesca”. Fora o fato de que dos três era o único que tinha uma interface clara com a Segurança Pública: 20 trios sem corda, e sem axé, davam um conforto na avenida que fazia despencar a violência.
Ainda assim, há nesta má notícia um acerto. Dos três programas (o outro é o Ouro Negro) é o que mais tinha como alvo a classe média, e menos o proletariado (governo de esquerda que se preze não sofre de pobrismo e não tem problemas em fazer políticas públicas que foquem diretamente classes sociais não tão necessitadas assim). Era portanto a mais cortável.
Mas não só: de todas, era a que precisa ser mais melhorada em sua arquitetura. Paulo Miguez, homem que promoveu um debate no Teatro Vila Velha sobre os modelos de Carnaval país afora, e de onde sairam as atuais políticas para a área no estado, está em New Orleans por três meses estudando outros modelos de gestão de Carnaval no mundo (quem sabe não me bato com ele no Mardi Gras?). E com uma Prefeitura que ignora o Edital e escala os trios sem considerar os 20 da SECULT, o programa faz água. O que não é demérito: dos três programas, é o que bate mais de frente no Axé-System, mas também é o mais dispendioso.
Soluções já há. Desde este ano o Conexão Vivo elegeu a Bahia como sua menina dos olhos: não só foi a série de shows mais longa do país (4 dias seguidos), como bancaram o até então atravancado edital do Segundas Musicais na Sala do Coro do TCA. E agora estão dando uma levantada no cambaleante Bloco Os Mascarados, garantindo trio e ensaio no clássico clube Fantoches da Eutherpes, no Largo Dois de Julho. Nos ensaios e no trio? Baiana System, Três na Folia, Otto… praticamente o Carnaval Pipoca, SECULT, em menor escala, não?
É portanto possível que o Carnaval Pipoca vire um “edital dupla face”: licite não apenas que artistas vão participar (usando critérios públicos, estéticos, e não mercadológicos) mas também as empresas que vão bancá-los e associar suas marcas a eles. A Vivo tem topado fazer isso, não tem porque não ampliar. E isso não é um “FazCultura/Lei Rouanet” por outras vias: há critério público de escolha – e não do departamento de marketing da empresa, meramente, havendo portanto descentração de verba.
Mas o que impressiona mesmo é que a mesma galera jornaleira que recebe jabá do axezão e falava mal do Carnaval Pipoca, hoje chora que esse ano não vai ter mais. Mudaram de idéia a partir dos fatos? Talvez. Só que mais provavelmente, aproveitaram-se da oportunidade para bater de uma só vez em Márcio Meirelles e em Albino Rubim. E mentindo, claro: vai haver trios sem cordas, os independentes, e que têm acesso a financiamento pelo Fundo de Cultura do Estado – como Armandinho, Daniela Mercury, o próprio Eva que vai sair sem corda porque quer, etc. É uma perda não ter o edital, sem dúvida – de 20, reduziremos de novo para uns 5 trios sem corda. Mas por que essa mesma jornalistada não cobra de Flora Gil que ela volte a fazer o clássico Expresso2222 como trio sem corda na Barra por dois dias?
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