Teorética & Práxis do Anti-Jornalismo – nº0
Desde ano passado venho sendo instado, por mim e por leitores e amigos, a sistematizar o que venho chamando de “Anti-Jornalismo no sentido em que se diz Anti-Psiquiatria” – inclusive porque diversos praticantes positivos de Anti-Jornalismo, como Luís Nassif, vêm chamando de Anti-Jornalismo o que a mídia gorda, corrupta e de baixa qualidade vem fazendo no Brasil – quando na verdade isso é Des-Jornalismo.
Com a eleição e posse de Dilma Roussef como presidente (no gênero neutro masculino, pelo mesmo motivo que levava Cecília Meirelles a chamar-se de “poeta” e não “poetisa” – e alguém nega o caráter feminino de sua literatura?), sinto-me ainda mais compelido. Por um lado, porque agora a Reforma Midiática ou vai ou racha, inclusive porque Sua Excelência é brizolista desde a puberdade; por outro, porque seu novo Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo (que vez por outro perambula por aqui pelo Rio Vermelho em certos prédios de João da Gama Filgueiras Lima, Lelé) teve uma crise aguda de “UDNismo de tamancas” e voltou a ter medo da Globo. Isso num tempo em que, mais dia menos dia, a Globo implorará por um novo marco regulatório da imprensa, sob pena de falir sem ele uma vez esgotado como já está seu monopólio.
Primeiro, é preciso dar um valor positivo ao termo aparentemente negativo Anti-Jornalismo (no mesmo sentido que nos lembra Cristóvão Feil em relação ao termo populismo). É Denir Miranda quem costuma ter uma crítica ao ativismo urbano de modo geral: ele é apenas anti-carro, e com isso não conseguiria ser pró-alguma-coisa. Discordo: definir-se primeiro como contrário a algo não é necessariamente nem niilismo nem iconoclastia, desde que a ausência deste objeto de ódio venha proporcionar a reconfiguração prolífica do campo em questão. Cito o exemplo fundamental: Freud escolhe o termo negativo inconsciente como seu operativo (mas não como objeto de sua ciência), porque é somente repelindo a pretensa soberania da consciência e questionando sua existencia real mesma que todo (ou qualquer) tratamento psicanalítico (e conjectura sobre os impossíveis do processo civilizatório) poderá se dar e vir a acontecer.
Neste sentido, não há nada de defensivo, frouxo ou pouco propositivo em ser contra o Jornalismo enquanto instituição discursivo-prática – desde que entendemos que num mundo sem Jornalismo a informação flui com mais rapidez, qualidade e facilidade de acesso do que com ele. Isto é: entendemos que um mundo sem Jornalismo não é um mundo em que no lugar de Jornalismo não há nada – e sim um em que alí surgiria uma instituição suplementar e mais eficiente, um mundo por assim dizer “sem rodinhas”; no mesmo sentido em que a negação da consciência pela psicanálise não deixa no lugar dela um vácuo, e sim o inconsciente, as pulsões, o desejo e o gozo – o sujeito enfim em questão, e não o eu falsamente soberano de si.
Esta talvez venha a ser a série mais rigorosamente marxista, ou marxiana como gostava Florestan Fernandes, ou marxizante como dizia Milton Santos. Não apenas em princípio e método de análise, mas de construção e publicação: tratará a cada vez de alguns verbetes e conceitos interligados, e proporá a partir do aclaramento materialista e dialético destes conceitos linhas de ação, bem como críticas às ações que já tomamos – uma arqueologia, no sentido de Michel Foucault, do noticiário diário (que como tudo que parece natural, não existiu desde sempre, e nada garante que continuará a existir).
Nos próximos números da série trataremos de aclarar as definições, de um ponto de vista de economia-política e materialismo-histórico, de Jornalismo, Anti-Jornalismo e Des-Jornalismo; num subsequente, uma interpolação sobre o lugar que ocupam no jogo da mídia as categorias de Fato, Notícia, Interpretação e Verdade. A partir daí, conforme os fatos (e os leitores) nos apresentarem artefatos, aqui e alhures, a serem microfisicamente politizados.
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