A pressa & o beliscão
Há algum tempo viemos dizendo que a relação de Geddel Vieira Lima com o tempo lógico, próprio da política (e da clínica psicanalítica) era a pior possível. Agora, fica claro como a palavra “Pressa” aparece no seu discurso como um significante-mestre de uma cadeia de sintomas neuróticos que afeta a todos nós.
A começar pelo seu slogan de campanha: “A Bahia tem Pressa”. Ainda aquém e fora do campo do inconsciente, tal frase padece de gramática: “ter pressa” implica em complemento nominal. A Bahia teria pressa de algo – mas de que? Evidente que a tentativa é com isso transmitir a idéia de que a Bahia tem pressa de tudo (o que pode muito bem ser “pressa de nada”). Talvez seja apenas um modo de escamotear aquilo que mostra: não é a Bahia que tem pressa (de tê-lo como Governador), é ele que tem pressa disso – e por meio de uma inversão pulsional/gramatical, afirma o contrário.
A “pressa” de Geddel geralmente se associa a idéia de que o Governo Jaques Wagner é especialmente lento. Ora, os fatos não apontam nessa direção nem a população em geral percebe desta forma. Claro que ela considera um governo mais lento do que os de ACM, por exemplo – mas não foi isso que ela escolheu em 2006? Um governo operante, no entanto democrático – e o preço disso é que os atos sejam tomados com mais parcimônia, porque com mais discussão, embora com o mesmo vigor e eficiência, ou até maiores. Foi nesse passo, lento a princípio, firme depois, célere hoje que a Secretaria de Cultura vem desmontando palmo a palmo o Axé-Sistem (e hoje até egressos do Axé-Sistem se juntam ao esforço). Assim o foi com as grandes obras de infraestrutura (anéis viários do Aeroporto de Salvador e da Rótula do Abacaxi, Ferrovia Oeste-Leste, etc.), que tiveram algum atraso natural quando ainda no papel dada a mudança de metodologia de fiscalização e acompanhamento de obras (para melhor, diga-se de passagem) – e uma vez superada esta etapa, se realizam com celeridade e sem atrasos.
Portanto, o significante “Pressa” no discurso geddelista soa por vezes como arbitrariedade e discricionaridade – especialmente se junto a seu outro slogan, “Pra chegar e resolver”. Resolver o que? A Bahia é um problema a ser resolvido? Você votaria em alguém que trata a maior potencia cultural do país como “problema” que ele vai “resolver assim que chegar”, sem uma pausa de reflexão e interpretação da realidade entre o “Chegar” e o “Resolver”?
Até aí, nenhuma novidade: o discurso dele revela o que quer esconder. Isto é: que se trata de um carlismo elevado a condicão de mitologia burguesa. O carlismo sem lastro, sem conteúdo. O carlismo esvaziado de si mesmo – metodológico sem ser principialista.
Cabe sempre lembrar a Geddel Vieira Lima que a pressa sem rumo leva por vezes, não ao objetivo alcançado, mas a colizões catastróficas. Cabe a um governante ter certa pressa, até porque 4 anos não é tanto tempo assim; só que cabe primeiro ter rumo, para a pressa não levar ao abismo.
É o que acontece por exemplo com João Henrique Carneiro. Esta semana, para se safar do maior escândalo de adminsitração urbana da Nova República (e que põe os frangos de Celso Pitta e Paulo Maluf no chinelo), o apaniguamento de Transferências do Direito de Construir (TransCons) sem ter Conselho da Cidade empossado – pra se livrar disso, João Henrique cria outro escândalo (ligado intestinalmente a este): a demolição arbitrária das barracas de praia de Salvador.
O problema se arrastava a seis anos. No primeiro mandato municipal, quando por estar ligado a intelectualidade anti-carlista da Capital (da centro-direita de Nestor Duarte a extrema-esquerda de Ney Campello, passando pelo centrismo keynesiano e fiscalmente responsável de Reub Celestino), a coisa foi abrandada por liminares. Agora, por não ter sido feita a tempo, a coisa acontece interessadamente aos trancos e barrancos. Cabe aqui mais uma análise do significante “pressa”: pressa é o que se tem quando as coisas não foram resolvidas no devido tempo. Anos trabalhando na maior emergência hospitalar do Nordeste (o Hospital Roberto Santos) me ensinaram que, para o que é urgente, o melhor é agir ponderadamente, e não na incitação dos acontecimentos: urgência e pressa não apenas não são sinônimos, como por vezes se excluem. Geddel quer dizer que é bom ter pressa no governo dele porque nele nada será resolvido no tempo normal, com parcimônia?
Sobre o episódio das barracas e das TransCons cabe uma observação notável. Na última quinta-feira alguns Conselheiros da Cidade, eleitos e não empossados, fizeram protesto pacíficio em frente ao Palácio Tomé de Souza, sede da Prefeitura, junto com algums vereadores PTistas. Apanharam da guarda-municipal. Quem lhes tomou a defesa? Vereadora Andrea Mendonça, do PFL, filha do arqui-carlista Félix Mendonça (embora seu outro filho, Félix Jr., esteja com Wagner, no PDT, e defenda sinceramente idéias similares ao do Governador, como ter VLT até o Aeroporto, e não BRT). Notem: João Henrique conseguiu fazer o PFL defender o PT! Só um gênio consegue juntar contra si as duas forças políticas mais antagônicas do Estado!
Ainda, boa parte dos “atrasos” do Governo Wagner se devem aos Geddelistas. Exemplo máximo: o Elevador Urbano de São Miguel-Desterro. O PDDU criminoso aprovado por João Henrique prevê a expansão de 4, para 20 ascensores públicos (fundamentais para uma cidade que ocupa topos de morro, como Salvador) – o que bem ou mal, é bom. Destes, a prefeitura não tem projeto de nenhum. O Estado tem de um, por João da Gama Filgueiras Lima, ligando o Mercado de São Miguel na Baixa dos Sapateiros ao Convento do Desterro em Nazaré e à Rua das Laranjeiras, no Pelourinho. E tem dinheiro em conta pra fazer, reservado. Mas não abre licitação. Por que? Porque o apressado João Henrique Carneiro, ligado ao apressado Geddel, não tem nenhuma pressa em ceder ao Governo Estadual o Mercado Municipal de São Miguel. Sem isso, o Governo Estadual não pode lançar qualquer edital de licitação para a obra.
A pressa de Geddel acaba sendo uma forma de, na prática, atrasar não apenas os ganhos para a Bahia, e sim também para o município de Salvador, a que indiretamente governa. É este o grande e ágil Ministro da Integração Nacional, incapaz de integrar bem estado e cidade no Centro Antigo da Capital Bahiana? Geddel e João Henrique, como já dissemos antes, fazem essa politicazinha do beliscão.
Por fim, Geddel, que se quer crer um político popular, esqueceu-se de dar ouvido a dois ditados populares (coisa que Freud nunca deixou de fazer) a respeito da “Pressa”. Um diz que a “Pressa é inimiga da perfeição” – e num governo de alguém para quem “A Bahia tem Pressa”, já se pode imaginar o tamanho e a quantidade de imperfeições no porvir. A outra é que o apressado ou come cru, ou queima a boca. E esta podemos deixar o Suíno interpretar sozinho.
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No tocante a chapa Senatorial esse ano, há uma novidade: pela primeira vez num ano de duas cadeiras, o eleitor terá dois votos. E o segundo não pode coincidir com o primeiro. Para além da barafunda que isso vai dar na boca da urna (preparem-se, mesários de subúrbio e de interior!), quer dizer que a lógica do jogo virou-se de ponta-cabeça. Em anos de vaga dupla, com um só voto, ganhava um Senador em disparado, e o segundo com uns 10% de votos. Agora acabou a boa vida, e cada um tem de pensar em termos de 200% do eleitorado.
Na prática, isso significa que a relação estabelecida entre os dois nomes da chapa é fundamental. A transferência de voto entre os dois candidatos a Senador será fulcral esse ano. Daí a boa notícia: aconteça o que acontecer, o Senado Bahiano, que não se renova a 20 anos, se renovará totalmente agora. De todos os candidatos, só César Borges busca reeleição – é o mais conhecido, mas de maior rejeição. E é o único que lentamente cai nas pesquisas.
Ainda que não caia, ele só conta com seus 30% de votos. Seu companheiro de chapa, Edvaldo Brito, não agrega voto a ele, nem agrega a si a partir dele. Quem vota no negão intelectual, não vota no escravocrata César Borges, e vice-versa. Aliás, cabe lembrar que Edvaldo Brito, por azar (e sem ironia nisso), participou dos dois maiores desastres corruptivos municipais do país em 20 anos: a gestão de Celso Pitta em São Paulo, e o segundo mandato de João Henrique aqui. Digo por azar porque se havia alguma força interna na Prefeitura a se opor a arbitrariedade como as TransCons, e perceber a Reforma Cultural em marcha na cidade e no estado e tentar se engendar nela, foi Edvaldo Brito. Quanto a gestão de Pitta, talvez Edvaldo também não tenha culpa no cartório. Mas que a imagem fica imunda, fica.
Do lado de Paulo Souto, o problema e idêntico, ou pior. José Carlos Aleluia nunca foi sequer candidato a prefeito de capital (César o foi, e foi governador; Edvaldo Brito foi prefeito biônico de Salvador sob o Governo Geisel), e só tem voto pra formar bancada federal. José Ronaldo, brilhante prefeito de Feira de Santana (comparável na direita ao que foi Guilhereme Menezes, pela esquerda, em Vitória da Conquista), não é conhecido senão lá e por isso também tem voto para deputado federal de sobra, mas pra senado lhe falta. José Carlos Aleluia sabemos que sofre de uma parafrenia similar a de Olavo de Carvalho, não diz coisa com coisa, e Paulo Souto o esconde como pode. José Ronaldo vem de uma direita cordata, socialmente responsável, e simpática a Lula. De novo: quem vota em Ronaldo provavelmente não vota em Aleluia (deve derivar seus votos para Edvaldo Brito), e quem vota em Aleluia idem (derivar votos para César Borges, a quem muito se assemelha).
A única chapa em que quase 100% dos votos de um vão pra outro é a de Jaques Wagner: quem vota em Lídice dificilmente votará senão em Walter Pinheiro, e vice-versa. E são os únicos dois candidatos em ascensão, numa chapa governista com mais de 60% de aprovação popular.
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Em Tempo: Dia 2 de setembro, quinta-feira próxima, a Comissão de Mobilidade Humana e Trânsito do Conselho Regional de Psicologia Bahia e Sergipe (CRP-03), realiza o 1º Desafio Intermodal de Mobilidade. Saindo do Shopping Salvador por volta das 18h e 30min, com destino a sede do CRP-03 na Estrada de São Lázaro, Federação, o Desafio serve para medir as capacidades de mobilidade das diferentes formas de transporte numa metrópole. Desafios similares já são realizados anualmente em São Paulo e Rio de Janeiro há alguns anos.
Participarão do Desafio de Mobilidade os seguintes modais: bicicleta, bicicleta dobrável aliada a ônibus, taxi com baldeação livre, ônibus com baldeação livre, automóvel individual e motocicleta.
Estes Desafios costumam ser feitos em horário e locais críticos, com grandes congestionamentos. No entanto, buscando inovar, o CRP farea um Desafio de Mobilidade específico para horário e trajetos de lazer. Acontecerá no dia 18 de Setembro, com saída às 16h do Terminal Marítimo da Ribeira, e chegada no Passeio Público de Salvador (Palácio da Aclamação / Teatro Vila Velha). Participarão da avaliação os mesmos modais acima listados.
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