O Som das Sextas – XXIII
Às Orquestras, Maestro!
O fato não é novo, mas não havia se tornado público ainda. Desde maio último este blog recebeu convite da Riot Comunicações para ir ver a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP – que a gente espinafra desde que John Neschling foi prematuramente saído dela) dentro da Série Itaú Personalité. Quer dizer: às pampa, as mina de Sampa acham que eu sou um crítico de música erudita acima do mediano.
Irei vê-los, domingo dia 8 de agosto, 16h e 30min, na Sala São Paulo (Estação Júlio Prestes). Com direito a foyer de honra & outros todos regabofes.
Tanto assim que não é só. Há um projeto, talvez para ano que vem, de o Banco Itaú manter um blog permanente sobre a nova onda de música de concerto no Brasil, com críticos sediados em cada cidade-pólo da área no país – e a Bahia é pedra-de-toque nisso, como se verá logo abaixo não apenas por causa do Neojibá e da Sinfônica do Estado (OSBA). Daí, me convidaram para escrever lá, a soldo pago. Capaz que eu vá, por que não?
* * *
Já haviamos falado antes da força da música instrumental no período atual do retorno do formato-canção. Contudo, Orquestra e Música Instrumental se confundem, mas não se igualam. Na orquestra pode haver corais, e presença de cantores solistas – o que formalmente as coloca mais próximas do formato-canção do que o rock instrumental, por exemplo. Não atoa é o próximo passo do Neojiba: formar um coral, de modo que nem eles nem a OSBA continuem dependendo do Coral Madrigal da UFBA (não obstante sua excelência) sempre que forem montar uma peça cantada. (E o que quer dizer que, em breve, talvez, provavelmente, teremos montagens inteiraças em Salvador de uma peça que se notabilizou como repertório da OSESP de Neschling: Maracatú De Xico-Rei, por Camargo-Guarnieri).
No caso específico da música brasileira dos dias atuais, as orquestras vêm de outras e mais variadas vertentes que a música erudita puramente. Talvez o primeiro marco neste sentido tenha vindo com a Orquestra Imperial do Rio de Janeiro, aproximando-se das crooning, bandas de baile e de gafieira. No mesmo rastro veio a Orquestra Contemporânea de Olinda e a Orquestra Brasileira de Música Jamaicana, e até mesmo ao seu modo autores que não se declaram “orquestras” como Siba e a Fuloresta e o Bonsucesso Samba Clube.
E, claro, passa pelo jazz da Orkestra Rumpilezz e pela invenção do frevo-de-palco.
Em São Paulo, parece que as sinfônicas municipais passam por crises. Não deveriam: em Minas Gerais elas seguem muito bem. Não obstante, vale ver nos comentários um do leitor Jorge Nogueira Rebolla sobre a Orquestra Sinfônica Municipal de Barra Mansa (RJ) tocando as Bachianas nº5 (Os Dezessete Açoites) para se ter a noção do tanto de capilaridade que o fenômeno orquestra tem hoje na formação de público, crítica e autores, mesmo em cidades bastante pequenas e isoladas.
* * *
Não obstante a existência profusa atual, e um tanto anterior, de orquestras populares, é no formato erudito que reside o modelo precípuo do conceito “orquestra”. E, por sorte, mas não por acaso, a Bahia tem hoje três núcleos sinfônicas eruditas atuantes (excluo portanto a Sinfônica da UFBA): o Neojibá, a OSBA – e a Orquestra Afro-Sinfônica, que por ser a única fruto de iniciativas privadas e particulares (e também por outros motivos) vem aqui destacada.
Se a Neojibá inseriu uma certa popularidade dançante e gingada na interpretação do repertório modernista latino-americano (de Ernesto Nazareth a Alberto Ginastera), e a Rumpilezz na construção de um jazz big-band a partir da rítmica jêje e nagô, foi a Afro-Sinfônica que se deu ao trabalho de criar uma música erudita e lírica, dentro das formas-sonata, a partir da melódica yorubá – muito mais próximo portanto do que fez Matheus Aleluia com os Tincoãs ou o que faz hoje o excelente grupo vocal cachoeirano Jêje-Nagô (como eles mesmo dizem, “o encontro necessário”).
Não é um trabalho simples. Na tradição do reino do Benin, da mitologia do candomblé, a rítimica, complexa e variada como nenhuma outra na história do ocidente, acaba encobrindo a melódica, repetitiva, atonal, e ao seu modo simples. É um trabalho de depuração, de tirar leite das pedras.
E o resultado é impressionante! Ariano Suassuna queria, com a Orquestra Armorial, nos anos 1960, construir uma cultura erudita a partir de nossas raízes populares. No caso dele, do que restava da cultura indígena borôro no sertão de Pernambuco, e da herança ibérica e holandesa, e da congada de origem banto-sudanesa. O resultado era bom, mas ao meu ver tímido, conservador e ainda muito ligado ao popular propriamente dito, com limitações rítmicas e pouca invenção melódica.
O que a Afro-Sinfônica faz é o mesmo – só que com um salto qualitativo luxuoso, e especificamente bahiano, já que a “cultura popular bahiana”, especialmente a do Recôncavo e de sua Reconvexa, vem da mais antiga aristocracia africana até o fim do século XIX: a elite do reino do Daomé, os chamados “búzios”, tardiamente escravizado para o trabalho urbano na América Portuguesa, e não no eito rural. Do trabalho da Orquestra Afro-Sinfônica surge, assim, uma música idiossincrásica e duplamente erudita, inclusive no sentido de música das elites para as elites. No caso uma elite intelectual negra: a mesma de Mãe Senhora e de Milton Santos.
* * *
O que de promissor há nessa confluência orquestral, desde suas formas mais populares e periféricas até a mais elitista e central, é que talvez seja o caminho pelo qual o Maranhão venha a se inscrever na Reforma Cultural Brasileira. Embora a Reforma Cultural Pernambucana tenha se iniciado com o Mangue Beat, a redescoberta do frevo, tanto em orquestras de pau-e-corda quanto de sopro, lhes foi fundamental. O mesmo pode ocorrer em São Luís: se bem que os Bumba-Bois de Matraca sejam os mais requintados e aguerridos, com mais de 100 anos de tradição e verdadeiras sinfônicas de tambores e pandeiros arrastando multidões, é o Bumba-Boi de Orquestra o mais palatável, dançável e fácil de transportar e divulgar. Também o mais branco, português e oriundo da região mais rica do estado.
Se não for por esta via, não vislumbro outra pela qual o Brasil possa descobrir o mais escondido de seus tesouros: a terra encantada do Rio Anil (que, na verdade, é marrom).
Pingback: O Som das Sextas – XXXIII | O Último Baile dos Guermantes
Pingback: Os aninha-franco-atiradores | O Último Baile dos Guermantes
Pingback: Orquestras, metonímia de Governos | O Último Baile dos Guermantes
Pingback: OSESP, lá, em ré menor | O Último Baile dos Guermantes