Semeando Livros
Desde que ganhei o 9º Concurso Nacional de Crônicas de Canoas – RS, estou com livros iguais inutilmente acumulados em casa, não servindo pra nada. Pra quem eu podia dar como presente, já dei. Agora, chegaram finalmente os do XIX Prêmio Newton Sampaio de Contos, do Governo do Paraná.
Uma leitora e amiga sugerira que eu sorteasse alguns exemplares entre os que perdem tempo me visitando virtualmente. Mas, oras, não tenho tantos seguidores tão assíduos assim! Foi aí que resolvi começar a simplesmente espalhar os livros aleatoreamente pelos cantos da cidade do Salvador, pra quem quiser ler: deixo em banco de ônibus, em estação, banco de praça, café, shoppings, onde for.
O projeto foi feito baseado na experiência de Brasília, em que alguns pontos de ônibus passaram a dispor de bibliotecas. Não há bibliotecários. Quem quiser entra e pega o livro e leva pra ler e devolve em outro ponto. Quem quiser também traz novos livros e deposita ali.
Tem uma galera que pratica isso, mas de um modo que considero ainda conservador. No BookCrossing, por exemplo, são certos locais em que isso pode se dar apenas, e os livros são registrados e você acompanha o trajeto deles. Eu almejo uma coisa mais radical, tipo: e se roubarem? Ora, é pra roubar! É algo não só esperado, como estimulado. Eu pessoalmente, e este blog em geral, tem a concepção clara de que, salvo exceções específicas, livros servem para serem roubados. Às vezes declaradamente, como quando uma amiga disse que não me devolveria Crônica da Casa Assassinada, livro que eu adoro, porque “você sabe que este livro diz mais respeito a mim do que a você” – e ela tinha razão.
A experiência de Brasília no entanto mostra que coisas e espaços explicitamente públicos correm menos risco de depredação: o índice de devolução de volumes nestas bibliotecas em pontos de ônibus (na verdade uma estante de livros abrigada da chuva) é maior do que numa biblioteca convencional. Se o sujeito entende que aquilo que é de todos é também, e de modo radical, intimamente seu – se esse duplo-vínculo fica claro na prática, a própria idéia de “roubo” se esvai, e com ela o desejo de tal.
A idéia também vem do célebre imperativo de Castro Alves, “semeai livros a mancheia” (“e deixem que digam, que pensem, que falem”, completaria Caetano Veloso no tempo em que se dava ao trabalho de pensar e compor) – frase que, por sincronicidade e feliz acaso, consta como epígrafe na coletânea de Canoas.
Os livros e revistas que deixo têm na sua folha de rosto a seguinte mensagem:
Este é um livro de uso coletivo. Você pode levá-lo com você, mas deve devolvê-lo depois, deixando-o em qualquer espaço público protegido do sol e da chuva, para que outras pessoas possam usá-lo.
Uma iniciativa do blog O Último Baile dos Guermantes; acesse -> https://www.ultimobaile.com
Este será um ano em que nosso site vai passar a atuar mais diretamente na vida cotidiana e material da Reconvexa, com ao menos mais uma outra intervenção urbana além desta. Quem quiser seguir o exemplo, e fazer o mesmo com seu acervo pessoal que está parado em casa, pode copiar. E claro que não faço isso pra ser bonzinho: há um ganho direto, que é o potencial aumento dos leitores desta bodega (inclusive em classes sociais mais baixas que talvez não nos acesse espontaneamente); e um indireto, que é ter uma cidade na melhor das hipoteses mais polida e humana.
Aliás, não é esse o método de auto-promoção (para manter o número de leitores artificialmente elevado e não perder anunciantes) que a Revista (?) Veja (de ficção fantástica) vem usando a anos (oferecendo assinatura de graça, para leitores que em geral rejeitam), e também do jornal Falha de São Paulo (que vem sendo distribuido gratuitamente em postos de gasolina)?
Até porque, como se verá no próximo post, os livros como objetos portáteis e de bolso, para uso em locais públicos urbanos, são uma tecnologia art-nouveau que surge como contribuição a usabilidade das metrópoles no meio do século XIX…
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Post Scriptum
O atraso entre sair o resultado da premiação e a entrega dos exemplares do Paraná foi tanto que recebi a menção honrosa quando governava Roberto Requião, mas a folha de rosto da coletânea vem assinada por Pessutti.
Contudo, cabe um elogio: ambas as bancas de Poesia e de Contos foram rigorosas e bem montadas, e os textos selecionados respondem bem a tradição paranaense – na poesia, funcionalistas, enxutos e avessos a afetividade; em conto, objetivismo narrativo dramático. A herança de Paulo Leminsky e de Dalton Trevisan prevaleceu, felizmente. O primeiro lugar em contos é o já célebre O Omoplata, de autor também bahiano; e vale ressaltar a coragem de experimentação cybernética (e da banca em mencioná-lo com honra) do pernambuco-baiano Rafael Gomes dos Prazeres em seu Hipertexto da Fidelidade (um soneto feito só com links para o célebre soneto de Vinicius de Moraes na internet).
Não há alí nenhum texto do qual me envergonhe de compartilhar espaço – o que comumente me ocorre em coletâneas (se bem que sempre haja muitos dos quais me orgulho de estar associado – cito Jogo de Vida, de Ricardo Lahud, de uma coletânea da Guemanisse Editora de anos atrás).
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Post Post Scriptum: Sexta-feira dessa semana vou comemorar o recebimento dos exemplares do prêmio do Paraná. Será a partir das 21h no Madame (Mme.) Champagneria, no Rio Vermelho. Depois, ver de que lado Thiago Kalu samba, no Ali do Lado. Chamei aquela patotada do pós-axé: Peu Pondé, Morotó, Letieres et caterva, além dos amigos velhos de guerra, entes e parentes queridos. Que quiser aparecer, dê as caras. O rega-bofe é por conta de cada um, claro.
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