O Índio & a Paraguaya
Esta semana, alguns fatos políticos (nem todos eleitorais) trouxeram à baila questões recalcadas que se referem ao que poderia ter sido o 3º Império Brasileiro, de Isabel Christina. O primeiro, mas não mais notável, é a escolha (até que enfim!) do candidato a vice a chapa de José Serra. Índio da Costa reune todos os atributos aparentes de Aécio Neves, e que poderiam soar como qualidades mas bem olhados são defeitos até mesmo em Aécio (juventude, dandismo, etc.) – sem ter nenhuma das reais qualidades de Aécio Neves (sensibilidade social, capacidade de articulação política, projeto nacional, etc). E é Monarquista!
Ora, dirá o leitor incauto, mas você também é Monarquista, Lucas. Errado: sou bragancista, mas não defendo a restauração imperial (os Bragança de hoje nada tem a ver com os líderes formados por José Bonifácio, sujeito que aliás José Serra admira profundamente) e no Plebiscito de 1992 teria votado pelo Presidencialismo Republicano. O que eu defendo é que Dom Pedro II foi o melhor governante que o país já teve, e isso os fatos mostram: 44 anos de estabilidade, unificando a nação, com grandes ganhos de infraestrutura urbana, produzindo uma geração de cientistas e intelectuais que o Brasil só veio a reproduzir em 1930 (no governo de alguém que, durante a Segunda Revolução Federalista do Rio Grande do Sul, era bragancista: Getúlio Vargas). O Imperador assumiu aos 15 anos de idade o governo de uma ex-colônia escravista, falida e conflagrada em lutas separatistas. Entrega em 1889 um país sem escravos (e sem tráfico a 20 anos, e sem nascimento de escravos em solo brasileiro a outro tanto), em crescimento econômico, com uma interessante experiência de reforma agrária através de minifúndios familiares em que imigrantes ocupam a compliada fronteira Sul (resolvendo finalmente a procrastinada Questão Platina) e reconhecido internacionalmente como, dir-se-ia hoje, player global.
O que defendo é o que ensino de História esconde isso, respondendo a interesses paulistas, como escondia a genialidade do governo de Vargas até pouco tempo atrás por motivos similares. O que defendo é que se revise o que representou o 2º Império; e que se trate a Proclamação da República como o que ela foi: um Golpe Militar, da elite paulista, altamente sexista e racista, já que foi contra uma mulher assessorada por um intelectual mulato: a Princesa Isabel e Joaquim Nabuco – e que está no 15 de Novembro a mãe de todos os golpes que marcaram a história republicana do país: 1891, 1922, 1932 (1930 foi uma revolução popular, única nacional comparável ao Dois de Julho bahiano – só depois as elites tomaram as rédeas dela, e até nisso ela segue o modelo da Revolta Gloriosa da Inglaterra e da Revolução Francesa: a revolução burguesa no Brasil, diria Florestan Fernandes), 1945, 1954, 1955, 1964 e 1968.
Nunca propus nem proporia uma marcha-a-ré na História – isso é uma noção marxista elementar. Proponho que se compreenda o Império para que a República seja República de verdade, e não esse arremedo, essa eterna anti-monarquia. Mas o vice-de-Serra quer a volta do Reinado Petropolitano. Índio da Costa propor isso é um resquício de um sintoma que o Rio de Janeiro sanou na Era Lula: o luto depressivo e alucinante de ter deixado de ser Império e Capital da República – um século seguido de queda-e-coice. Isso paralelo ao fato de que José Serra representa o paulistismo golpista que derrubou o Imperador, Vargas e o Rio de Janeiro – e ignorando totalmente a contradição interna de uma chapa eleitoral como esta. É uma idéia que não cabe mais sequer a velha aristocracia carioca do século XX, involuntariamente monarquista também ela.
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Dona Lily de Carvalho (viúva de Roberto Marinho) deu um almoço para Dilma Roussef, e não dará para nenhum outro candidato. Engana-se quem vê nisso um PT (mais) de joelhos diante da Globo: nenhum dos filhos de Roberto Marinho (que não têm nome próprio), diretores da Rede Globo, é filho de Dona Lilly. Esta remonta a uma aristocracia carioca que abrigou de Barão do Rio Branco a Pinheiro Machado, de Ruy Barbosa a Gilberto Freyre; Roberto Marinho vem de uma pequena burguesia que ascendeu e ficou milionária através de pequenos golpes e de sua aliança com regimes discricionários neoliberais e de direita.
Roberto Marinho representa o internacionalismo paulista, de modo caricato; Dona Lily, uma nobreza imperial que não é apenas carioca, mas rio-grandense (e o termo chulo “gaúcho” nem aqui cabe), pernambucana, paraense e bahiana, e sem caricatura remonta a Missão Francesa de Dom João VI. É um monte de senhoras intelectualizadas, e não socialites novo-ricas, recebendo uma outra que deve cumprir a missão que teria sido de Isabel Cristina de Orleans e Bragança Bourbon D`Eu, 100 atrás.
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A diferença da postura de dona Lily de Carvalho para o que seria a memória de Roberto Marinho está em como a Globo se engajou, através de seu canal privado SporTV, na retomada involuntária de questões do 2º Império. A Globo resolvou esculhambar o Paraguay, a troco de nada. Veja o video.
Às Organizações Globo falta educação doméstica. Por exemplo, não tirar meleca em público e não peidar (alto pelo menos) em frente as visitas. É a polidez que se encontra num quartel, numa trincheira. O Brasil deve tratar o Paraguai com o maior tato e gentileza que puder: fomos nós que causamos sua miséria quando, no século XIX, vencemos a maior guerra ocorrida nele ao sul do equador.
Não vai aqui certo culpismo pseudo-esquerdóide e indisfarçavelmente paulista de que a Guerra do Paraguai foi injusta e atendeu apenas a interesses ingleses. Mentira: todo brasileiro deve se orgulhar dela; de ter tido um Imperador capaz de liderar uma campanha militar vitoriosa contra um tirano expansionista como General Solano López. Na Argentina, o presidente Marechal Bartolomeu Mitre é reverenciado até hoje por isso – e, outrossim, os argentinos não humilham os paraguaios em reportagens de TV…
Termos vencido nos obriga a sermos magnânimos com nosso vizinho. E a reconhecer os crimes de guerra cometidos por nós, lá – sem com isso desmerecer nossa vitória civilizatória no Chaco e no Riachuelo. Esse tipo de empáfia pouco civilizada que a Globo aí mostrou é típica do narcísico Exércio Brasileiro de 1870 até 1985. Aquele exército que achou bonito e altivo servir de ponta-de-lança para a alta burguesia paulista em 1889, 1922, 1945, 1954, 1955, 1964 e 1968. Aquele exército que não julga seus criminosos torturadores nem nunca pediu desculpas a nação por ter servido apenas a uma parte ínfima, geográfica e demograficamente, da mesma. Um exército em que não se pode confiar, justamente por isso – e daí a justificável preferência de Sua Majestade Imperial pela Marinha.
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O Governo Lula foi, voluntariamente, um resgate do que poderia ter sido um Governo Jango – desde sua reaproximação com a China e com a África independente, até a distribuição radical de renda e reforma universitária. Como consequência esperada, resgatou Getúlio Vargas e Jucelino Kubitchek; e nos estados levou ao resgate de seus interregnos democráticos: Eduardo Campos e Aécio Neves aos seus avôs; Jaques Wagner, na Bahia, com Octávio Mangabeira e Antônio Balbino. Ou levando a política interna de estados até então mais periféricos, como Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul e mesmo Sergipe, a voltarem a ser cruciais para os novos rumos da nação.
Não era de se esperar (mas olhando de hoje faz todo sentido, para o bem e para o mal) que ao fim da Era Lula, involuntariamente questões que dormitavam desde 1889 reaparecessem. Quer por termos duas candidatas mulheres a Presidência (e não se trata agora do revanchismo neurastênico de Heloisa Helena); quer levando adversários (Serra e a Globo) a inopinadamente tentarem ocupar um lugar positivo nas questões brasileiras do século XIX, de modo burlesco e significando paradoxalmente o oposto do que se propõem a representar.
Embora eu não vote em Dilma Roussef no primeirto turno (porque não creio que o desenvolvimento nacional deva ter como preço a perpetuação do isolamento do Maranhão – não por pena deste, mas porque sei o quanto o Brasil perde com isso, material e imaterialmente), eis aí mais uma coisa pra já enorme lista do “Nunca antes na história deste país“.
Post Scritpum: Baseado nisso, nos reservamos doravante o direito de nos referirmos a Geddel Vieira Lima como o Barão de Geremoabo – aquele que leva o estado ao retrocesso. Que João Henrique Carneiro é um novo José Joaquim Seabra, sem finesse alguma, todo mundo já sabia…
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