CycleChic Nagô – I
Yabás – Winter Colection
Ao contrário do que se diz, Salvador tem inverno. Não é rigoroso, mas a mudança de temperatura é sensível e o frio às vezes incômodo. Jorge Amado chegou a relatar isso numa célebre crônica que conta a história de um português que vem a Salvador em junho e só traz roupa de verão. Chega aqui e pega 20ºC, com sensação térmica de 18º por causa da umidade, do vento, e do fato de a cidade ficar no alto de uma cadeia de colinas de cerca de 100m de altitude na beira do mar. E aí o portuga tem de sair para comprar “camisola” – isto é, “pulôver”.
Isto de fato aconteceu com alguns paulistas que pra cá vieram, mais recentemente, no lendário inverno de 2004 – quando Salvador chegou a registrar no Campo Grande 16º num meio-dia ensolarado. Claro, são temperaturas patológicas por aqui. Mas quando a cidade tinha mais área verde, 40 anos atrás, não chegavam a ser surpreendentes.
Há duas semanas Salvador registrou 18º ao amanhecer, no nível do mar. O que dá uns 16º nos bairros centrais no topo do platô (Graça, Nazaré, Carmo, etc). E, pedalando e provocando brisa, uma sensação térmica de 14º ou menos. Acreditem: dizer que não usa bicicleta porque faz calor se tornou pra mim uma afirmação digna de chacota depois desta experiência por 4 dias cá numa Reconvexa regelada.
No calor, o pedalar provoca brisa – e portanto estar em movimento é mais confortável do que parado; mas no frio, ao contrário: a cada vez que você pedala, tudo fica gélido! Tanto mais porque estão expostos primeiramente a brisa suas partes mais sensíveis: dedos (que chegavam a doer para acionar os freios), nariz, orelhas. O fato de o corpo aquecer com a pedalada não ajuda muito – de certa maneira, piora a sensação térmica gelada.
Vantagens há. A primeira: subir ladeira, em bom bahianês, virado no estopô! – isso porque o frio não te deixa suar. Outra: nas descidas de ladeira não “parar de pedalar para secar um pouco e aproveitar a brisa”; ao contrário: mantém o ritmo do pedal e acelera, senão dá mais frio. Daí que se chega em média uns 5 minutos mais rápido do que nos dias normais de calor brando ou intenso.
Contudo, a principal vantagem é se sentir obrigado a usar cachecol (inclusive cobrindo o nariz, no melhor estilo bike ninja), chapéus, gorros, etc. O chapéu ajuda porque nesta época do ano ainda chove, mas não torrencialmente (diferentemente de abril e maio) – daí deixar de pedalar para sair de guarda-chuvas se tornar ridículo: uma boinazinha já protege o suficiente da garoa. Isto é: o inverno deixa o usuário de bicicleta como transporte especialmente urbano e elegante.
Outro dado é que os motoristas ficam especialmente mais calmos e gentis com este tempo ameno – e as ruas em geral mais vazias. (A verdade é que bahiano reclama do calor, mas gosta; bastou fazer um friozinho, e não pisa fora de casa).
Decide-me de uma vez a começar a trabalhar mais com imagens (e fazê-las eu próprio) aqui quando em um desses dias de inverno me dei conta de o quão elegante ficava minha Dahon Curve na varanda se eu esquecia (de verdade!) cachecol e chapéu-côco sobre ela, na véspera. Tão lindo que tive de tirar uma foto na mesma hora.
Pra quem não sabe ainda, chamo minha Curve de Iansã: vermelha, arisca, e chegou debaixo de briga com a transportadora no dia do Carurú de Santa Bárbara. Para minha Fuji Crosstown Ladies (que uso quando vou subir montanhas ou para pedaladas mais distantes; a Dahon serve quando preciso embarcar em ônibus/ascensores ou pegar caronas) não ficar com ciúmes, fiz fotos dela também. Azul, meio japonesa, coquete, cheia de frescura, senhorial e majestosa: só podia ter o nome da Rainha de Ifé, Oxúm Yapondá, faceira & dengosa.
Fazer este tipo de foto é uma tendência mundial para gentrificar o uso de bicicleta: mostrar como se pode pedalar não apenas como peão, ou fantasiado de ciclista, e sim de modo classudo e mesmo nobre. É isso que pode levar o medioclassista carrocômano a largar o carro na garagem. A bicicleta está para o automóvel assim como a maconha está para o crack, numa abordagem clínica de redução de danos: ambos viciam, mas a primeira dá a saúde que a segunda rouba.
Quando for morar sozinho terei uma Caloi Barraforte cargueira (para trazer compras do supermercado e da feira em grande quantidade). Terra, bruta, guerreira silenciosa e algo submissa. Pau pra toda obra. Só poderá se chamar Obá, mesmo, não é?
Acho que nessa, acabei sobrando de Xangô Agodô – “sete dias para a gente amar”… E, convenhamos, ninguém fica charmoso assim dentro de um carro:
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