Cafeteria não é Perfumaria
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Até 2008, o Museu de Arte Moderna da Bahia tinha, em seu subsolo, um restaurante de shows folclóricos para turistas estrangeiros e nenhuma sala de cinema (embora espaço para tal houvesse). Pode-se dizer que isto é fruto do fato de que, ao longo de 40 anos de carlismo, uma mesma Secretaria de Estado cuidava a um só tempo do Turismo e da Cultura (esta caudatária àquele). Em 2007, o Restaurante Solar do Unhão foi desmontado, e o MAM ganhou mais três galerias no seu subsolo; em 2008, a área do Pier é licitada para uma cafeteria durante o derradeiro Salão MAM Bahia de Artes Visuais.
O café do pier é uma delicia, como já falamos aqui. E aumentou enormemente a circulação e permanência no museu. Atualmente, está fechado para reformar o pier, que é usado espontaneamente como trampolim pelos moleques da Gamboa de Baixo, o que vai permitir que se volte a chegar ao MAM de barco. Neste interim, o café do Museu Rodin Bahia Palacete das Artes foi licitado e aberto. O mesmo grupo do MAM ganhou a licitação, com cardápio similar, mudando a ambiência. Se o charme do pier do MAM são as lâmpadas em gambiarra e os pufs de xitão, no Rodin é classudo, com enormes recamiêrs para se tirar cochilos, cadeiras girafa de Lina Bo Bardi em duas alturas, espelhão de fora a fora, jardins, etc.
Curioso é que a classe média carlista vivia deslumbrada com o fato de que no Rio de Janeiro e em São Paulo os grandes museus têm, dentro, excelentes cafés e restaurantes, frequentados pela população local; mas não se perguntavam porque aqui não havia. É, como diria Cristóvão Feil (do Diário Gauche), uma ignorância de segundo grau: os pitubanos não sabiam que não sabiam.
Pode-se argumentar, com alguma razão, que cafeterias para a classe média, ao invés de restaurantes folclóricos para turistas sexuais gringos, é mais nacionalista mas não é uma medida “de esquerda” – o que seria demérito para um governo que assim o diz. Mas, ora, gentrificar uso de espaços públicos não exclui deles a população mais pobre (se outras medidas forem tomadas paralelamente) – ao contrário, enobrece e inclui; ambos os espaços não tem preços elevados nos cardápios, e estamos assistindo a uma ascensão em massa do povão para a classe média: dar-lhes bons espaços públicos pedestres de consumo (fora de Shoppings Center e de sua lógica toxicômana e carro-dependente) é o mínimo que se deve fazer. Além de que estas cafeterias geram emprego e renda onde nada havia – inclusive tornando os museus mais sustentáveis financeiramente, através dos alugueis dos espaços e das outorgas onerosas dos mesmos.
Contudo, aceitemos o argumento: este tipo de política pública é conservadora e de direita. Por que, então, o carlismo, conservador e de direita, nunca a realizou por 40 anos, sequer estas?! Incompetência, devemos supor? Subalternidade ao centro-sul do país? Horror a população de seu próprio estado, que os elegia, inclusive a classe média alta, de onde vinham? Cadê o dito “amor à Bahia”?
Em outubro, será o Museu de Arte da Bahia a ter seu café licitado. Hoje já funciona um lá, mas mambembe e de arremedo. Será um prazer almoçar rodeado de estatuário de DiChirico e telas de Mendonça Filho, num palácio do século XVII no meio do Corredor da Vitória.
Oxalá a Reitoria da UFBA siga este caminho e licite cafés tanto para o seu recém-reinaugurado Memorial de Medicina e Museu de Etnografia e Arqueologia, no Terreiro de Jesus, quanto para o Museu de Arte Sacra no belo Convento de Santa Tereza. Não é justo que este que é o maior museu de arte sacra da América Latina, organizado pelo gênio beneditino de Dom Clemente da Silva-Nigra, não tenha uma política de visitações e ocupação de espaço para além do “aluguel para casamentos & formaturas” – especialmente, que nunca esteja aberto aos sábados e domingos ou feriados.
Em tempo: A série Mozart nas Igrejas, da Orquestra Sinfônica da Bahia, acontece este mês dia 30, quarta-feira, às 20h justamente na Igreja de Santa Tereza (Museu de Arte Sacra da Universidade Federal da Bahia, Rua do Sodré, Largo Dois de Julho).
Dentro do Centro Antigo de Salvador (que é muito mais do que o Centro Histórico ou o Pelourinh – é reintegrar o Pelô a vida normal da cidade) – que teve seu plano de reabilitação lançado com pompa & circunstância dia 10, semana passada. Que já vem sendo realizado há 4 anos, com medidas piloto e experimentais; e que é eternamente um work-in-progress, daí sua página permanente na internet.
Quem quiser saber mais, na entrada lateral do recém-reinaugurado Palácio Rio Branco (na Praça Municipal) há exposição interativa a respeito. Como se entende como um plano urbanístico a ser sempre revisado e nunca conclusivo (bem o oposto do de ACM, e bem ao modo de Lina Bo Bardi), qualquer transeunte pode registrar em video seu depoimento lá – que será usado em revisões futuras a medida que o plano vá sendo aplicado.
Ainda sobre vídeo, imperdível o registro institucional da Reabilitação do Centro Antigo: 4 anos de trabalho minuncioso e silencioso, com trilha sonora contendo três músicas da Orkestra Rumpilezz. De chorar! Eu também sou do Centro Antigo…
(E sobre o abandono do Pelô. Indo na SalaDeArte CineXIV – sempre e sempre vazio, apesar de todos os esforços públicos e privados em contrário -, dei-me conta de algo importante: há sim um abandono, não por parte do Governo nem antes nem agora, tampouco do empresariado privado; mas por parte da classe média, pitubana e imbuiense, que não vai ao Pelô, compra o discurso da Globo, e se pudesse explodia a Montanha pra abrir uma avenida onde seria instalado mais um engarrafamento.
Observem: tratam o Pelô com o mesmo discurso que levou a demolição da Sé Velha – a mãe de todo o desmonte posterior do Centro Antigo. Para o itaigarense, o Pelourinho é um “trambolho arquitetônico”, no mesmo tom que o Governador José Joaquim Seabra se referia a vetusta cadetral renascentista, única no mundo fora da Europa).
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