Considerações sobre a Segurança Pública na Bahia
Há algum tempo vem me intrigado o verdadeiro paradoxo que se tornou a Segurança Pública na Bahia: de um lado, houve aumento substancial de investimentos financeiros, de equipamento, de pessoal e de salário na área, e não sem efeitos; por outro, há uma piora sensível na percepção de segurança diária, com aumento da criminalidade de acordo com dados da próprias polícia Civil e Militar.
Esta semana, numa entrevista no programa Canal Livre da Rede Bandeirantes de Televisão, o Governador do Estado foi interpelado sobre o tema. Como sempre, consegue falar com clareza, autocrítica, precisão e sem tentar enrolar ou enganar o interlocutor; lembrou por exemplo que os dados de segurança pública na Bahia pioram muito desde 2001 (portanto, ao longo de todo o Governo Paulo Souto – no entanto na época não havia esta grita de hoje…). Perguntado sobre se o aumento da violência advem do crime organizado, Jaques Wagner lembra que desde o governo Paulo Souto o combate a este tipo de crime tem sido feito; que se acirrou no seu governo com transferência de presos para presídios federais fora do estado (que gerou algumas revoltas e quebradeiras na capital, mas que foram bem contornadas), e desbaratando inclusive a relação da marginalidade clandestina com a corrupção oficial, como na Operação Nêmesis.
Alertou ele que o aumento de criminalidade se dá muito mais pelo pequeno crime: o roubo de rua, assalto a mão armada, e assassinato entre visinhos, e não entre facções rivais. E insinua que isto é inclusive um efeito colateral da diminuição do narcotráfico organizado.
A mim, parece bastante razoável. Mas não explica tudo.
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Minha teoria pessoal passa por um modelo matemático. Diz-se que a criminalidade advem da pobreza extrema e das disparidades de renda; no entanto, com a brusca diminuição destes dois problemas no Brasil nos últimos anos, a criminalidade não melhorou – aliás, piorou e em geral no país todo (salvo exceções específicas de que tratarei mais adiante).
Quando se diz que há uma relação causal, ou funcional, entre miséria e baixa segurança pública, tendemos a pensar numa relação linear. Ocorre que provavelmente esta relação é parabólica, assintótica, ou curva de alguma forma dentro do plano cartesiano. O aumento da pobreza não causa imediatamente aumento de criminalidade, muito menos de uma criminalidade ostensiva; não há porque a diminuição da pobreza cause uma diminuição imediata na segurança pública. Há um intervalo de tempo, no qual ocorrem pequenas ações e decisões individuais dos sujeitos, entre tornar-se miserável e apelar para a marginalidade ativamente.
Donde o mais provável é que uma diminuição linear da disparidade de renda não apenas não melhore a segurança, como a piore num primeiro momento – para só depois passar a melhorar.
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A justificativa do Governador não cobre por exemplo o aumento de criminalidade nas pequenas e médias cidades do interior (o chamado “novo cangaço”); a teoria da relação parabólica (e não linear) entre redistribuição de renda e queda na criminalidade sim.
Pela primeira vez no Brasil a renda passa a migrar com mais força para cidades pequenas. Lugarejos onde antes nem havia banco (saques e pagamentos eram feitos em agência de correio) agora passam a ter um fluxo de capitais robusto em relação a seu tamanho e população. Ora, isso não era esperado neste ritmo, e mesmo que fosse 6 ou 8 anos não é suficiente para mudar a infraestrutura física e humana destas cidades, que não se prepararam para combater assaltos que inevitavelmente passam a acontecer em lugares onde há mais dinheiro circulando, mas menos modos de protegê-lo.
Cabe lembrar que este é um problema do Nordeste inteiro (Minas Gerais incluso) – mesmo no Ceará, onde a segurança pública da capital parece ter melhorado muito.
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Falamos há pouco que houve melhoria em alguns estados. Notadamente, no Rio de Janeiro, capital, com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Não é mera estatística: vi lá este ano policiais brincando com moleques e pivetes de rua – onde antes havia apenas violência velada. A sensação de segurança no Rio de Janeiro é paulatinamente maior, o que gera um círculo virtuoso: mais gente ocupa as ruas, que ficam mais seguras, o que leva mais gente a ocupá-las, etc.
Para instalar UPPs é preciso, antes, tomar o morro – e aí é na base do tiro. A Guanabara está a beira de viver sua “Stalingrado”: a tomada do núcleo duro do Morro do Alemão. Até agora as ocupações não têm tido maiores dificuldades; de onde se conclui que boa parte da bandidagem organizada pode estar refugiado neste local, o que gerará uma batalha sangrenta.
Evidentemente que entre os que não foram presos, nem todas as quadrilhas foram para o Alemão. Muitas devem ter saído do estado para procurar outros mercados – isto é: estados igualmente ricos, ou quase, só que sem concorrência (daí não optariam por São Paulo, onde o PCC reina) e sem infraestrutura ainda para combatê-los (de onde se exclui Minas Gerais e Espírito Santo – que anos atrás sofreu processo similar, apesar de ser um estado pequeno e pacato, mas soube reagir). As opções são simples: Bahia e Goiás, inclusive por serem próximos. É onde o crack tem alcançado proporções epidêmicas, e o número de homicídios não consegue senão crescer.
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Falamos acima do círculo virtuoso do Rio de Janeiro: mais segurança traz mais gente pra rua que traz mais segurança. Este círculo, apesar dos esforços corretos de “banho de luz” por parte da Prefeitura de Salvador, não ocorre aqui. A ocupação dos bairros por pedestres é cada vez mais concentrada, esparsada, e de menor qualidade. Quase não há comércio de rua diversificado, concentrando tudo em shoppings-centers; e a mobilidade urbana de massas para lazer noturno rigorosamente inexiste, sob a alegação de falta de segurança (só que não existir coletivos em quantidade de madrugada só piora a segurança).
Tudo isso são responsabilidade municipais. E o Prefeito de Salvador, como sempre, finge-se de morto.
Por fim, há uma coisa que Leonardo Bernardes gosta sempre de lembrar: a mudança de paradigma que o governo atual representa em relação ao carlismo, inclusive no trato com a marginalidade. Hoje, na segurança e na justiça os direitos humanos vêm em primeiro lugar. Isto é: as milícias de extermínio, típicas da tirania de ACM, se enfraquecem. Com isso há uma sensação de liberalidade, aumentando a atuação dos marginais? Sim; entretanto, há também menos crimes cometidos pelo Estado, e escamoteados, o que é comum em ditaduras.
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Post Scriptum: A imprensa como sempre não ajuda, e só atrapalha. E não falo apenas de programas sensacionalistas como Na Mira (Bocão ao menos faz jornalismo e abre espaço ao contraditório); no episódio recente em que uma delegada foi agredida por um assaltante em plena luz do dia, em dia útil, em Amaralina, alguns locutores de rádio FM diziam que estava tendo arrastão na Rua Visconde de Itaboraí! Não houve arrastão nenhum. A quem interessa esta hipérbole? – À Indústria do Medo, que a título de aumentar a segurança dos cidadãos, a diminui e muito.
O empresariado seboso bahiano não só nada faz quanto a isso como colabora (ainda que obviamente colaborar com a grita aumente seu prejuízo). De cobrar, só cobra do Estado (que para eles deve ser mínimo, mas fazer tudo); ninguém vai a TV defender que se sua clientela não cair, a segurança fica melhor. Há exceções, como já dissemos antes. E inclusive é novamente louvável que o Bloco Eva admita de público que o carnaval é mais seguro fora das cordas, ou sem elas – longe, portanto, da Indústria do Medo que encheu a burra dos barões do Axé-Sistem.
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