O Som das Sextas – XVII
Dos efeitos menos comentados do fim da dicotomia falsa axé-music X rock’n roll é o fortalecimento do samba bahiano. Não tanto, nem apenas, da chula do Recôncavo, ou de um retorno ao samba urbano de Batatinha e Riachão (que já vinha em curso antes). É mais o surgimento e fortalecimento de novos núcleos e compositores, e o reposicionamento da Bahia e de Salvador como um dos lugares do país onde melhor, mais, e mais regularmente se faz samba – logo atrás do Rio de Janeiro e em época similar a isso ter ocorrido na capital imperial (lá, como cá, com o re-fortalecimento do carnaval de rua).
Mariene de Castro talvez seja o estandarte disso, e enquanto instituição o bloco Alerta Geral (que, pra mim, é tão impactante quanto o Ilê Ayê – já que, como diz Dudú Nobre, é onde o samba do Brasil se encontra, na quinta de Carnaval, vindo cariocas, mineiros e paulistas) – e nisso o Programa Carnaval Ouro Negro (da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia) tem total e reconhecida participação. A hype que se tornou o samba das últimas sextas-feiras do mês num boteco do Largo do Santo Antônio Além do Carmo também é um marco disso; bem como o surgimento do Botequim São Jorge, no Rio Vermelho, que contaminou outras casas, fazendo do Red River uma Lapa com dendê.
Nisso também entra o fato de os brancos de classe média também estarem fazendo samba, e do bom. Ao meu ver, no ápice, apesar de nenhuma composição gravada, Thiago Kalu e o Clube da Malandragem. Mas também, sob as bençãos pessoais de Elza Soares, o Sambatrônica. E Marcela Bellas, que já apareceu por aqui.
Eis que na sexta passada (aliás, no partido-alto de Kalu) descubro essa moça: Júlia Maia. Sim, a voz é fraca (mas afinada), e falta exuberância no palco (embora não seja exatamente tímida). Só que ela compõe, e bem – o que já seria muito!; e tem o principal: é do samba. Ser do samba não é compor, sambar, e cantar; é andar pelos becos, entre as classes sociais, na noite meio de pé no chão; não estar bêbado jamais, nem jamais estar sóbrio; sem ter ressaca, mas nunca de pleno bom humor.
E aqui, apesar da gravação meio mequetrefe, canção dela com Guilherme “Monstro” Steve, também do Clube da Malandragem (e nele, responsável por aquela interpretação hilariante de Nêga do Cabelo Duro), que concorre no Festival Rádio Educadora da Bahia de Música. Pode-se objetar que seja um samba esquemático e meio carioca; contudo, observe-se a letra, narrativa, erudita e esmerada; o visgo que fica no ouvido, e o principal atributo de uma canção: a vontade irrefreável de cantar junto e assoviar.
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