Perigo: Prefeitura na Contra-Mão!
Hoje faço um pout-pourris de desastres semanais do homem que engrandece a função intelectual de Feira de Santana para o Estado da Bahia: João Henrique de Barradas Carneiro, prefeito de direito de Salvador (o de fato é Geddel Vieira Lima, como mostram ostensivamente as propagandas instituciuonais das “obras que não acabam mais” realizadas pela gestão municipal da Reconvexa).
Faço isso porque uma dessas sandices me toca diretamente. Comecemos por ela então. Vem do Política Livre (que estava de rabo preso, mas agora parece que soltou o rabo – no bom sentido, claro, porque eu nada tenho a dizer, muito pelo contrário, das preferências genitais do seu mantenedor, Raul Monteiro):
Projeto viário do Pelourinho sai na próxima semana
A Transalvador concluiu o projeto viário para o Pelourinho, que agora passa pela avaliação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Se o projeto for aprovado, será imediatamente posto em prática, de acordo com a determinação do prefeito João Henrique (PMDB). O plano viário vai permitir que carros tenham acesso ao largo onde fica a Igreja do Rosário dos Pretos, mas não será possível estacionar no local. O mesmo acontecerá com o Terreiro de Jesus, onde manobristas levarão os carros para os estacionamentos. Veículos pesados terão o acesso restrito, para proteger o solo e o calçamento secular.
Hoje, terça-feira, eu iria apresentar (como de fato apresentei) um Esboço para Plano Cicloviário do Centro Antigo de Salvador. Foi o Escritório de Referência do Centro Antigo que me pediu isso (pelo qual não ganhei um tusta sequer, nem assim o quis), como colaboração de um cidadão que usa sua cidade de bicicleta e a conhece bem (inclusive do ponto de vista teórico). Observem: é assim que as coisas se dão no premiado Governo Estadual bahiano: por colaborativismo real e anti-hierárquico.
Aí vem o Prefeito Neuropata e resolve enfiar carro dentro do Pelô. Sendo que próprio havia, corretamente, cerceado o uso de automóvel no Pelourinho em 2005. Quer dizer: ele próprio desfaz os pequenos ganhos que sua administração fez. Agora, não é só ao invés de gente, prédio – é ao invés de gente, carro de novo. Não surpreende: a popularidade dele em 2004 vinha da classe-média carrocômana de Salvador – o então Deputado Estadual João Henrique conseguia liminares impedindo os Shoppings Centers de cobrar pelo uso de seus estacionamentos.
Tanto peior porque membros de sua administração municipal compareceram a apresentação que fiz – ávidos que estavam por mais detalhes que lhes permitisse ampliar a área de restrição de automóveis para-além das Portas da Misericórdia. É um Prefeito na contramão das decisões técnicas de seu próprio corpo de servidores.
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A perda de reconhecimento moral e sua incapacidade política é tanta que os moradores de Pernambués, na sexta-feira 16 de abril deste ano, fizeram enorme protesto na Avenida Luiz Vianna Filho nos dois sentidos. Era uma revolta em pról do direito universal de eles também serem atropelados.
Explico: a Transalvador corretamente resolveu transformar a Rua Tomáz Gonzaga em mão única: isso tranquiliza o trânsito, aumenta espaço para pedestres, ambulantes e ciclistas; torna o uso do carro inconveniente. Numa área com muita escola e criança, como o Pernambués, é decisão mais do que correta. Medida similar foi feita na Rua Rubem Berta, na Pituba, e ninguém xiou.
Claro que a população não é contra a medida em si – aliás, sequer a compreende. É preciso entender este levante como a Revolta da Vacina de 1911: os então moradores do Morro do Castelo eram até a favor da vacinação, mas contra a imposição arbitrária e sem diálogo da mesma. Medidas mais drásticas as administrações de Lídice da Mata e Antonio Imbassahy tomavam, e não causavam celeuma pública; o mesmo para os governos estaduais de Paulo Souto e Jaques Wagner igualmente. Por que? Habilidade política, capacidade de gerar confiança na população, e de prepará-la gradualmente para o advento da resolução.
Coisa que João Henrique não faz, nem nunca fez. No meio da pancadaria que trancou a cidade por 3 horas seguidas de Itapoã a Ondina, o Secretário Municipal Euvaldo Jorge compareceu a todas as rádios para esclarecer a população. Só que a população não confiara seu voto ao Secretário, e sim ao Prefeito. Onde estava ele? Cabia a ele sustentar a decisão de seus secretários. Quando deus-e-o-mundo atacavam Marcio Meirelles, não foi Marcio que foi se defender, e sim o Governador Wagner, que inclusive foi duro: “batam mais em cima, porque eu não vou mudar de Secretário, que nem é candidato a nada, e se mudar não mudará a política executada, que é minha e de meu governo e não de uma pessoa que ocupa um cargo de confiança”.
Contudo, isto também não é novidade. João Henrique teve, de 2005 a 2007, o time dos sonhos para um secretariado bahiano: todos os partidos anti-carlistas na sua base. Nestor Duarte nos Transportes; Olívia Santana na Educação e Cultura; Luís Eugênio na Saúde; Reub Celestino na Fazenda. Perdeu todos, um a um, porque não os sustentava politicamente; ao contrário: no aperto, se escondia na barra das saias dos mesmos. E depois foi na campanha dizer que foi traido. Traído por 5 grandes partidos de vez! É muita traição! João Henrique se acha na verdade um Júlio César de Província!
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Sobre o dream-team de secretários municipais que João Henrique pôs a perder para ficar com os ilustres desconhecidos (salvo raras e honrosas exceções) atuais, hoje na apresentação do Esboço para um Plano Cicloviário do Centro Antigo descobri algo grave: Nestor Duarte trouxe em 2005 ninguém menos que Jan Gehl para Salvador.
Gehl nem teve tempo de esboçar plano algum. Sugeriu como primeira medida a retirada dos ambulantes da rua; João Henrique foi contra, por mero populismo. Eu também seria: numa cidade com 14% de desemprego, isso seria reduzir-mo-nos a barbárie. Entretanto, um prefeito com o mínimo de habilidade política teria negociado, enredado e aproveitado as idéias que mais lhe conviessem do talvez maior urbanista da atualidade. Não se trata afinal de aceitar acriticamente propostas de um consultor internacional que também tem seus interesses – isto seria colonialismo. Mas não aproveitar nada seria também colonialismo, por falta de antropofagia.
É redundante dizer que não aconteceu. E Salvador perdeu mais uma belíssimachance.
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Nem tudo, porém, está perdido. Miguel Kertzman, ex-Secretário de Transportes de Lídice da Mata e ex-assessor de Antonio Imbassahy em sua segunda e última gestão (aquela que marca sua ruptura gradual com o carlismo, e que realiza as reformas do Baixo Pituba e do Largo Dois de Julho), assume a Superintendência da Transalvador. Ninguém pode dizer que Kertzman seja carrocêntrico, despreparado, insensível socialmente, grosseiro ou pouco democrático. Menos ainda ineficiente ou incompentente. Ele tem lacunas importantes no seu saber sobre mobilidade, facilmente compensadas pelo seu sincero interesse de ouvir todos – especialmente os usuários dos diversos modais. Digo isso por minhas impressões de contatos pessoais com ele.
Se isso fosse garantia de algo, seria um alento. Quem quer apostar que na primeira tentativa de retirar vaga de carro de alguma via, por parte de Kertzman, João Henrique tem um piripaque neurótico e a cidade entra novamente em pé-de-guerra?
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