O “Bonde Moderno” de Pinheiro: uma retomada da Salvador de Lelé.
Fiquei sabendo ontem, num artigo de Antônio Risério, que os “bondes modernos” de que o candidato Walter Pinheiro (PT) fala, e que eu sempre defendi como principal solução pra transporte coletivo em Salvador, sem pobrismo (metrô não sobe ladeira, bonde sobe – e com todas as mazelas que foi a reforma de José Joaquim Seabra, ele acertou ao apostar em bondes verticais e planos-inclinados) – fiquei sabendo que esta idéia foi do gênio da arquitetura João Filgueiras Lima, o Lelé, no finalzinho da gestão municipal de Mário Kertzs.
Isso reafirma algo que já havia pensado: apostar em bondes, e não em metrô ou via segregada de ônibus, é um modo de Salvador afirmar um modo próprio, sem importação cultural, para resolver seus problemas – o que moralmente já é um enorme ganho! Especialmente porque Salvador, capital barroca por excelência, nem Nordeste (montanhosa) nem Sudeste (ocupa apenas os topos dos morros, não seus vales), superposta de estilos e ocupações, a mais antiga do continente americano, não tem como resolver-se importando modalidades urbanas.
A não ser que as importe de cidades que têm anatomia semelhante: San Francisco (na California) e Lisboa (Portugal). Ambas, inclusive, priorizam bondes…
Fato é que me causa certo auto-orgulho narcísico descobrir que o que eu prego, Lelé já pregava. Lelé buscou para Salvador soluções altamente modernistas, mas próprias aqui: desde a Prefeitura, marcadamente premoldada em contraste a praça quase toda renascentista em que está, até as leves passarelas ligando topos de morro (e não apenas lados de avenidas), vazadas, fininhas e abrigadas do sol ateniense em que vivemos.
Lelé queria que o bonde tivesse um modelo próprio nosso, e não europeu. Chamava de Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), e dizia que deveriam preservar a paisagem e fazer com que esta fosse apreciável de dentro dele, tal como os ônibus-caminhão que inventou pra Rede Sarah de Hospitais, ou as Jardineiras da gestão de Mário Kértzs (o que um metrô, mesmo de superfície, não pode fazer).
Aproveito pra dizer que acho Mário Kertzs um crápula oportunista – mas progressista. Rompeu com o carlismo quando prefeito, porque ACM o achava brilhante demais para o deixar brilhar. Fez uma das mais arrojadas gestões do país até hoje em termos de mobiliário urbano, chamando para perto de si arquitetos e intelectuais de esquerda como Lina Bo Bardi e Juarez Paraíso, além do próprio Lelé.
Mais um motivo aí fica para votar em Pinheiro. Se o Governo Wagner é uma retomada de Antonio Baobino (que dizia que Salvador não podia ser uma colonia de férias carioca), e o de Lula uma inflexão inadivertida sobre o de Jango, seria bom ver uma dobra mais a esquerda do progressismo arquitetônico do início dos anos 1980 em Salvador.
Pinheiro, aliás, acaba de dizer no debate na TV Aratu hoje a noite que os bondes “precisam ser como Lelé pensou”. Isso mesmo, ele citou o deus dos que amam a intervenção moderna na Capital Diaspórica! Num sonho algo delirante, mas não impossível, já imaginaram o que seria uma gestão de Walter Pinheiro com Lelé como consultor…?…
(Cabe ainda uma defesa de João Henrique: construiu mais passarelas de Lelé do que todos os prefeitos de Salvador desde Mário – e foi o único, desde Mário, a insistir que a terceira capital do país não podia ser onibus-dependente: e criou condições para bairros que enxotavam o transporte a pé passarem a ter circulação pedestre, retomou transportes marítimos, etc. O mérito é também do PSDB bahiano, que sempre é nada neo-liberal e nunca apoiou um candidato do PSDB a presidência da República por achar que todos eram carlistas: Nestor Duarte, que ocupou a Secretaria de Transportes Públicos na gestão de João, é PSDB histórico ao lado de Jutahy Jr. Suas políticas públicas para a área foram, não por acaso, semelhantes às de Marta Suplicy em São Paulo.)
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