O Som das Sextas – XIV
Esta semana o verão acabou de verdade: começou finalmente a chover, a ventar frio, e a poder dormir com lençol. E, pra quem tem o prazer de usar bicicleta como meio de transporte em Salvador, o início das chuvas se prenunciou no cheiro: jasmins-manacás em flor pela cidade inteira! Aqui eles sempre se abrem quando muda estação e regime de chuva: esquentou? perfume de jasmim no ar!; vai chover? jasmim de novo!
Os arbustos são visíveis por várias áreas da cidade, e a pé dá pra se curtir. Mas de bike é outra coisa: se sente cheiro de alguns que não se vêem, e às vezes vêm de longe, no vento… Como diz David Byrn: tão aberto e exposto quanto o pedestre, contudo mais alto, pouco mais veloz e amplo em movimentos, mas sem cheiro e barulho de motor, o ciclista urbano vê e sente uma cidade que o pedestre apenas supõe, o motorista não desconfia e de que o usuário de transporte coletivo se priva (“o metrô privatiza a paisagem” – uma das máximas de Jayme Lerner).
Aí passei a semana inteira cantarolando essa canção do cara que diz que a canção morreu (e que ajudou a matá-la): Tom Zé, A Volta de Xanduzinha. E lembrando da voz de Jussara Silveira – que, durante o domínio do axezão, cavou um caminho subterrâneo para sua interpretação jazzística do cancioneiro de Dorival Caymmi (ela está para Caymmi como Ella Fitzgerald para Cole Porter). Discreta, suave, correta, como as ondas que quebram na praia de Itapoã – e como o cheiro dos jasmins-manacá em flor quando o tempo vai mudar na Cidade da Bahia.
De Luanda beirando a Bahia, como dizia o grande romancista do cacau Adonias Filho, dois vídeos pra vocês, cada um gravado de um lado do atlântico-negro (em Cachoeira e em Angola) com a mesma canção. Do Semba ao Samba-de-Roda.
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