Um Filme (fora) da Moda
Longe de ser a obra-prima que o viadeiro tem propalado, A Single Man, primeiro filme de Tom Ford, é não obstante o marco zero do surgimento de um cineasta completo, em pleno domínio da linguagem fílmica. E dentro de uma tradição de cineastas que fazem cinema a partir de outras artes: tal como os filmes de Kurosawa são claramente de um pintor, os de Felinni de um colunista social, os de Billy Wilder de um jornalista, e os de Chaplin de um saltimbanco – o cinema de Tom Ford é claramente oriundo da moda.
Não se pense com isso que é um filme ornamental, em que o figurino rouba a cena enquanto fetiche (como em Bonequinha de Luxo, de Blake Edwards), ou um filme sobre moda. Antes, é um filme que importa da alta-costura sua lógica, mas não sua superfície.
Isto quer dizer que A Single Man é um filme de objetos – e nisso lembra, e muito, o cinema de Robert Bresson. Contudo, diferente de Bresson, os objetos não aparecem alí como sacralizados (cada cena de Bresson parece portar relicários); nem apenas por sua função prática. Cada objeto é um significante, um substantivo, uma vírgula – formando uma sintaxe gramatical que é, no melhor sentido do termo, de passarela.
Uma peculiaridade do cinema de Tom Ford (mesmo com apenas um filme, já podemos falar do “estilo Tom Ford”) é sua inabilidade, ou desprezo, pela movimentação de câmera. Quase nenhum plano sequência, nem travelling, e quase todas as cenas de câmera parada. Poucos closes. Um cinema que pareceria teatro filmado – novamente, não no sentido pejorativo. Ao contrário, me evocou Sacha Guitry – aquele que tentou aproximar o cinema do teatro não para simplificá-lo, mas para sofisticá-lo. Para torná-lo arte erudita, e não mais apenas entretenimento de massas, empenhando todos os esforços no rigor do cenário e da direção de arte e do texto.
E, se Ford faz um cine-teatro com duas atuações majestosas (Collin Firth e Julianne Moore) e outras tantas excelentes, ele não fica refem deste encantamento que os atores causam. Por melhor que sejam as interpretações (ou a beleza física) dos atores, Ford não esquece que atores são, no cinema, apenas mais um objeto cênico – e é isso que faz com que Cinema não seja Teatro Filmado. A contração facial de um personagem é tão ou menos importanto do que um carpete ou uma mesa. Atores, na mão de Tom Ford, são gado. São modelos a serem usados como objeto, ao bel-prazer do diretor-estilista – e também isso, para nossa felicidade, ele traz da indústria da moda.
Vale lembrar ainda que a influência de Michelangelo Antonioni (o drama íntimo em périplo urbano encenado com timing de tragédia grega – dura exatamente um dia) não recai em qualquer psicologismo. As atuações são excelentes, mas totalmente comportamentais e externalistas. Há fatos, e não afetos – um cinema clínico. Brecht se orgulharia.