Cavalos, toupeiras, dentes

08/03/2010 at 17:26

A toupeira que não olho os dentes, e devolveu por isso os cavalos.

Toupeira que não olhou os dentes, e teve os cavalos tomados de volta...

É verdade que os projetos de intervenção urbana entitulados em bloco de Salvador Capital Mundial não me agradam, salvo exceção. E é verdade que serem doados por empresários do setor é suspeito (como diz o excelente Blog Por Escrito, em sua postagem do dia 02 de março deste ano, às 13h e 28min).

Por outro lado, o Brasil tem e teve empresários socialmente engajados, que não visavam com este tipo de empreitada o mero lucro fácil. É dessa estirpe José Mindlin, Norberto Odebrecht, Walther Moreira Salles, Adolfo Bloch.

E, além disso, alguns projetos contavam com a assinatura e a defesa de Marcelo Ferraz – a quem o título de “carrocêntrico” e “especulador” não colam, ele que fez o Bairro Amarelo de Berlim, por exemplo, além do belo e austero prédio anexo ao Museu Rodin Bahia.

Semana passada ficamos todos sabendo que os projetos vem de uma Fundação sem fins lucrativos, e que não recebe dinheiro do Estado (não é uma “ONG”, portanto – está mais para entidade filantrópica, nos velhos e melhores termos) encabeçada por ninguém menos que Carlos Suarez. Amigo de Waldir Pires, e apoiador de seu governo e de suas decisões até o último momento.

Soubemos, contudo, da pior forma possível: através de uma carta aberta publicada no Jornal A Tarde, em que Carlos Suarez retira tais projetos e proibe a Prefeitura de usá-los, ofendido que está por esta não ter defendido sua contribuição com a cidade:

“Excelentíssimo Senhor prefeito de Salvador, João Henrique Barradas Carneiro.
Senhor prefeito, 

Em 21 de dezembro de 1999 – portanto muito antes da atual gestão de Salvador – criamos a Fundação Baía Viva. Nosso objetivo sempre foi o de dar nossa contribuição à sociedade de Salvador e à Baía de Todos-os-Santos, ajudando a aprimorar a qualidade de vida e fomentando novas oportunidades de desenvolvimento. A Fundação Baía Viva é custeada exclusivamente com recursos privados e, sob diversos aspectos, constitui-se no sonho de muitos nós que entendemos que empresários, empresas e profissionais liberais devem ter um papel ativo de responsabilidade social.

Foi dentro desse escopo maior, motivados apenas pelo interesse público e sem qualquer tipo de inspiração outra que não fosse o bem para nossa cidade e seus cidadãos, que a Fundação Baía Viva liderou a iniciativa – arcando integralmente com a totalidade dos custos – de oferecer um projeto visando à requalificação de parte do trecho de Salvador voltado para a Baía de Todos-os-Santos, o que se adequa integralmente aos estatutos de nossa entidade.

Infelizmente, porém, percebemos com tristeza que todo esse trabalho desenvolvido por uma equipe de profissionais baianos, em sua quase totalidade, altamente qualificados, ao longo de meses e doado ao Município sem qualquer tipo de contrapartida vê-se agora alvo de questionamentos distorcidos e preconceituosos. Talvez por força de interesses subalternos ou subterrâneos, o fato é que essa iniciativa ética, legal e cidadã, liderada pela Fundação Baía Viva sofreu um tipo de ataque e de questionamento que muito nos decepciona.

(…)

Desse modo, não nos resta nenhuma outra atitude a não ser a de deixar claro que o projeto da Fundação Baía Viva era apenas o que é: uma contribuição desinteressada, transparente e ética de um grupo de pessoas que ama Salvador e é grata por todas as oportunidades que a cidade lhes proporcionou.

Para que não paire qualquer dúvida em relação a esse assunto, solicito a Vossa Excelência a devolução imediata do projeto apresentado por esta Fundação, desconsiderando, no todo ou em parte, sob o ponto de vista administrativo, quaisquer das soluções ali elencadas. Em nome do interesse público, também, solicitamos que as sugestões apresentadas no projeto não sejam incorporadas de nenhuma forma pela administração municipal, seja através de seu Plano Diretor, seja por meio de qualquer outro mecanismo legal. Por último, solicitamos através da liderança política de Vossa Excelência que as sugestões do projeto também não sejam alvo de qualquer iniciativa no âmbito do Legislativo.

Todas essas solicitações, além da devolução imediata do projeto, tem como propósito deixar claro que não temos qualquer tipo de interesse na implementação das medidas, que não somos beneficiários diretos ou indiretos das soluções ali expostas, repito, a partir de estudo técnico feito com absoluta independência por especialistas das mais variadas áreas e analisado por técnicos do Município.

(…)”

Por mais que eu não concorde com o modo com que foram feitos os projetos, e com a maior parte de suas propostas, a cidade perdeu uma chance histórica de discutir-se e pensar-se. Mesmo que fosse para, ao fim, rejeitar todas estas idéias. Sairiamos disso mais cônscios e mais capazes de nos reestruturarmos.

Perdemos essa chance histórica – e pela segunda vez, já que na discussão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano ela também não aconteceu.

* * *

Que faria um Prefeito normal ao receber doação de tais projetos? Defendê-los-ia publicamente, daria transparência, e chamaria ao debate. É aliás o que o Governador tem feito em relação a Ponte Salvador-Itaparica.

Claro que o interesse nos projetos não é tão isento quando diz Carlos Suarez. Talvez haja interesses de lucro nisso. E daí? O mesmo argumento se usa para impedir a Ponte – e enquanto isso a especulação imobiliária avança na Avenida Luiz Vianna Filho (Paralela). Não há nada demais em empresários querem ter lucro com obras; há algo de errado se esse lucro é exorbitante e se as obras são prejudiciais, ao invés de benéficas, e obscuras ao invés de democraticamente debatidas. O que vem acontecendo a duas décadas na Saída Norte da capital bahiana, e ninguém reclama. E quem haveria-de reclamar, quando surge a possibilidade de reverter o quadro se opõe. É de um idealismo socialista algo juvenil…

Pois bem, um Prefeito normal faria isso: sustentaria politicamente, não as propostas, mas a possibilidade de debate. O nosso, sabemos, não é normal. O que fez ele? Mandou seu menino de recado predileto, Antonio Abreu, Secretário Municipal de Desenvolvimento (?) Urbano, lançar mais uma pérola:

“Cavalo dado não se olha os dentes”

É mais um episódio em que João Henrique Carneiro mostra o quão jecamente feirense ele é, tratando uma capital de 3milhões de habitantes e 500 anos de idade como uma vila de interior de beira de estrada. Um entroncamento rodoviário, com vista pro mar, diria Antônio Risério.

Não é a primeira pérola. Ano passado, ele disse que o prédio art-decor da primeira fábrica textil do Brasil, a Luiz Tarquínio na Ribeira, era menos importante que um campo de futebol de barro que nem tem 50 anos…

Pois bem: cavalo dado se olha os dentes sim, Prefeito. Nem que seja para não desdenhar do presente. Sob risco de o donatário desistir da graça, e tomar os cavalos de volta. Foi o caso.

Há quem diga que Carlos Suarez foi inabilidoso politicamente: escolheu se aproximar de um prefeito sabidamente inépito, pra não dizer neuropata; não defendeu e não causou tanta transparência a sua empreitada quanto devia, etc. De fato: mas Suarez não é político, é empresário. Ele não é pago para ter traquejo no discurso e na negociação de interesses públicos e privados. Quem é pago para fazer isso é João Henrique de Barradas Carneiro – que, ao que tudo indica, não cumpre a função para que foi eleito.