Pós-Carlismo É Neo-Mangabeirismo
O Ex-Governador Paulo Souto, em seu twitter hoje, teceu loas & aleluias ao ex-governador Octávio Mangabeira. Fez isso a propósito de uma crise financeira que poderia levar ao fechamento do Tropical Hotel da Bahia – belíssimo prédio de Diógenes Rebouças, no Campo Grande, centro de Salvador, e marco do Governo Mangabeira. Veja abaixo:
Mui reveladora é esta atitude do ex-Governador Paulo Souto.
Primeiramente, nunca, enquanto Antônio Carlos Magalhães vivo era, ninguém de seu grupo ousou falar sequer que existia alguma coisa antes do Carlismo. Era como se a Bahia tivesse sido fundada em 1970: Luiz Vianna Filho? Lomanto Jr? Edgar Santos? – ilustres desconhecidos.
Era parte da política de imagem do carlismo tamponar a realidade histórica da Bahia referente a época conhecida como Avant-Gard – quando o estado ocupou de fato uma proeminência política nacional e estética internacional, com nomes como Rômulo de Almeida e Glauber Rocha.
Não quero com isso dizer que Paulo Souto está sendo oportunista e não é um admirador de fato do genial Mangabeira. Acho, inclusive, sua postura sincera e benéfica. Pela primeira vez desde 1967 a eleição estadual vai ser disputada por dois mangabeiristas declarados. Sinal dos tempos! O que acho notável é que isso é mais uma prova de que o Carlismo não apenas morreu – virou pó a essa altura. O único nome do PFL foge de qualquer associação de sua imagem com a de ACM – e se aproxima da ala direita do antigo mangabeirismo.
O consenso bahiano em torno de Mangabeira permitiu, entre 1947 e 1970, a manutenção de políticas de estado de longo prazo, especialmente na área de Cultura (o MAM de Lina Bo Bardi), mesmo quando havia alternância de poder. Gal. Juracy, de direita, era tão cria de Mangabeira quanto o socialista Antonio Balbino – é bom que se lembre.
Se a eleição de Wagner representa um retorno do recalcado do que foi a Avant-Gard, Paulo Souto embarca com clareza política e, abraçando o antigo mestre de ACM a quem ACM negou, Juracy, se prepara para o futuro. Pena que só tenha 2014 para concorrer novamente a governador. Lá, se Lídice da Mata for vice de Wagner, Paulo Souto terá parcas chances.
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No entanto, esta fala de Paulo Souto revela muito mais pelo que omite. Elogia Otávio Mangabeira em nome de proteger sua herança de construções, todas elas feitas por Diógenes Rebouças (sabidamente anti-carlista, embora discreto e político no sentido guimarães-rosa do termo). Lamenta a demolição da Fonte Nova, mas nada fez sobre isso a tempo de impedir (e eu alertei aqui que esta sim seria uma boa bandeira da direita bahiana: tem apelo popular, moralizante, se baseia num fato e teria efeito financeiramente eleitoral. Mas talvez também o PFL dependa do caixa-dois a ser formado com a reconstrução do estádio) – e aliás, omite que será reconstruído a partir da planta-baixa de Diógenes, e que isso foi uma exigência pessoal do Governador Jaques Wagner.
Mais: elogia Mangabeira, mas não cita Juracy ou Antonio Balbino. É o mangabeirismo em cima do muro – sem ônus. E mais ainda: teme pelo fim do Hotel da Bahia, mas não alerta os seguidores de que seu prédio foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (IPAC), no seu recente programa de tombamento do patrimônio modernista – pioneiro, embora siga algo que Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo já fazem a décadas. E que Paulo Souto poderia ter feito aqui enquanto governava, mas não fez.
De todas as omissões, a do nome de Diógenes Rebouças em twitts que ao fim defendem sua obra (não apenas física, mas de “diplomacia urbana” ao lado do gênio Otávio Mangabeira) é a mais notável. O Carlismo fazia questão de esconder seus técnicos planejadores, especialmente os arquitetos. O Pólo Petroquímico de Camaçari vem do desvirtuamento de um projeto de Rômulo de Almeida – aliás, também omitido. E ACM deixou João Filgueiras da Gama Lima, Lelé, por décadas no ostracismo – logo ele sem quem o Centro Administativo da Bahia não teria sido feito…
Mesmo Mario Leal Ferreira, que era gaúcho e anterior a isso tudo, ligado a Landulfo Alves enquanto interventor no Estado Novo, é obliterado. É como se JK ocultasse os nomes de Niemeyer e Lúcio Costa; ou como se o Rio de Janeiro fingisse que Reidy e Agache nunca existiram!
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Hotéis históricos estão em crise no Brasil inteiro. Como o próprio Paulo Souto mostrou, mesmo o Le Meridien, na Bahia, o Othon Palace e outros, nem tão históricos assim, estiveram em crise – e sairam. No Rio de Janeiro, o Copacabana Palace teve de se reformular por completo, sendo comprado pela Rede Othon; o legendário Hotel Glória está neste processo. Em Minas Gerais, o Tijuco de Diamantina e o Grande Hotel de Ouro Preto passam por dificuldades; e só recentemente, com sua correta privatização para o Grupo OuroMinas, o Grande Hotel de Araxá se recuperou.
Não é, portanto, previlegio bahiano. E se até o inabilidoso (que eufemismo!) César Borges conseguiu salvar o Meridien, entregando-o ao Pestana, sem ter programa de tombamento, por que Jaques Wagner não conseguiria o mesmo em relação ao vetusto prédio funcionalista do Campo Grande?
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Por fim, minutos depois, Paulo Souto vem reclamar de que as reações a este debate foram iradas e que ele não queria politizar a questão:
As únicas reações até então foram minhas. Foram críticas a certa postura tímida, e que oportunistamente encobre o essencial; mas foram reações de apoio e de elogio na maior parte do tempo.
De resto, com estes dois twitts Paulo Souto fez o PFL dar mais uma contribuição ao FEBEAPÁ: discutir herança política sem politizar a discussão. Algo assim como água que não molha.
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