Já é Carnaval, cidade!
Este ano entrará para a história como o ano em que, definitivamente, o anti-axé ou pós-axé está em condições de igualdade com o axezão. Se ano passado a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia bancou 6 trios sem corda e com samba, rock, frevo elétrico, dos quais 4 via licitação, este ano são 20. Sim, vinte! Alguns repetindo a dose ano passado; outros novos.
Não cresceu apenas em quantidade, mas em qualidade. BNegão em um trio, capaz de canjear com Psirico (já que é amigo de Márcio Vitor), diminuindo ainda mais o hiato do axé/anti-axé. Elza Soares, de graça, em outro. E o Retrofoguetes recebe de Belém do Pará o LaPupuña, que resgata as tradicionais guitarradas misturando com rock’n roll.
Com isso, o Retrofoguetes (que já colhem elogios da crítica internacional, pra terminar de matar os invejosos de plantão, como se pode ver aqui, aqui e aqui. ChaChaCha é, definitivamente, um dos melhores discos e shows do ano – no mundo!) de novo dá o passo a frente, e faz com que o Carnaval de Salvador atual seja o que o de Recife foi até anos atrás: um trampolin para os estreantes da música off-circuit do Brasil inteiro. Não foi no Pólo Mangue do Cais da Alfândega, a beira do Capibaribe, que o Vanguardt estourou em 2007? Talvez o mesmo aconteca agora com o LaPupuña. Todos os louros ao virtuose Morotó Slim!
E mais: todos os 20 trios terão ensaios previos, abertos e a preço popular, e ressacas posteriores. Igualzinho ao que o Retrofoguetes faz com o Retrofolia e Retrorressaca.
Por falar em Retrofolia: é sábado agora, dia 6 de fevereiro, 20h. O LaPupuña vai, Rónei Jorge vai, Armandinho Macedo vai. Você vai perder, bocó?! Mudou de sede porque cresceu: será no SESC Pelourinho. Aliás, todos os ensaios e ressacas serão no Pelô – que pelo visto não tem nada de abandonado.
Se eu fosse paulista ou mineiro, e viesse pra cá com três de abadá comprado, processava a agência de viagens no PROCON por propaganda enganosa. Chegamos ao nível em que pular em bloco de corda e abadá é menos bom do que na pipoca – porque implicaria em perder Márcia Castro, Lucas Santana, Pitty, e os supracitados, entre outros. É talvez assim que vai se dar o tiro de misericórdia no axé-sistem: com o Estado concorrendo pau-a-pau com o grande empresariado da indústria fonográfica. Bom demais!
* * *
Há, no entanto, os rockeiros puristas e segregacionistas. Aqueles que, tal como o PSOL, acabam por ser inopinadamente carlistas. Que querem que o Carnaval se exploda (sem rock), e que o rock role no (até então ermo) Palco do Rock.
Pois, leitor, até o Palco do Rock ganhou dignidade. Recebe de volta os estouradaços filhos pródigos anti-emo Vivendo do Ócio. Recebe bandas gringas. Virou o que deveria ser: um pólo digno, que talvez me faça não ir rebolar na avenida um dia, pra desgraça e glória desta vida, e ir ver o sol rebentar e a manhã despertar em Piatã.
Chora, viuvada! (Aninha Franco na frente, fantasiada de carpideira tessálica em homenagem ao BBB da Globo), mas agora deixa sangrar – e o carnaval passar…
Esta demanda, vale lembrar, apareceu na Discussão Pública Sobre o Carnaval, em 2007, no Teatro Vila Velha. Eu estava lá. As demandas foram: diminuir as cordas, ampliar a diversidade musical nos circuitos, e fortalecer o palco do rock.
TODAS foram atendidas.
Pode ser que eu não tenha sido claro, então vou repetir: TODAS as demandas foram atendidas. Sem exceção. Todas vindas de um debate altamente democrático. Já em 2007.
Quem disser que Marcio Meirelles ou Jaques Wagner não são democráticos, é melhor tratar como se trata a Revista Veja. Isto é: como um episódio de psicose, ou de ficção fantástica.
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Este trecho do post eu gostaria de dedicar a memória de Chico Science,
sem quem nada disso teria sido possível.
“Um galope de Olinda pra Bahia”
Não se pense que os efeitos do pós-axé ficam só nisso. Há pelo menos dois resultados visíveis, no âmbito privado, um dos quais envolve a austera diplomacia inter-estadual do Governo Jaques Wagner.
Uma: Bia Lessa produz o showzaço que Margareth Menezes dá toda quinta-feira, no Cais Dourado. Bia Lessa, carioca, deu a isso um requinte que só o Rio de Janeiro tem. Tradicionalmente, tememos que a cariocada nos roube o que temos de bom na música (Mariene de Castro por anos dedicava seus shows aos “artistas que fazem música bahiana na Bahia” por causa disso). É uma contra-parte do uso que os paulistas faz(iam) de Salvador como puteiro a céu aberto até poucos anos atrás.
Pois então: Bia Lessa faz pela Bahia o que de melhor o Rio de Janeiro pode fazer por nós e pelo país – isto é: nos ajudar a recuperar a posição de co-capital diplomática da nação, ao lado deles. Digo isso porque na estréia deste show de Margareth (show de assistir sentado, se se quiser, tão visualmente delirante ele é) rolou de Bumba-Boi do Maranhão aos Ticoãs e a desconhecido e talentosíssimo violonista uruguaio aqui radicado. É, como o Retrofoguetes recebendo generosamente o LaPupuña (fato cuja semente ideológica remonta ao Bahia de Todos Os Sons, de O Círculo), Salvador fazendo as vezes de Capital Diplomática do Nordeste.
A mesma Margareth, ao lado de Jesus Sangalo, fez um enorme bem a Recife. O Bal Masqué, seguramente o melhor dos bailes pré-carnavalescos de Pernambuco, estava decadente. A Caco de Telha resolveu produzir. E foi um desbunde! Produção impecável, só cometeu a gafe de levar uma tal Banda Mina, de sub-axé, para tocar entre a Orquestra Popular da Bomba do Hemetério (com um Maestro Forró claramente emocionado) e uma Margareth Menezes.
Margareth que cantou Marcelo D2 com um arranjo de fazer muito metaleiro parecer chorãozinho. Alguém dos xiitas-de-camisa-preta vai me dizer que Margareth faz axé-music agora?! Ela é nossa Tina Turner!
Qual a importância de a Caco de Telha, que vem do axezão, ajudar a repaginar o sexagenário Bal Masqué de Recife? Se Recife aprendeu bem nas últimas décadas como fazer financiamento estatal de cultura, Salvador aprendeu a se virar com o privado. E agora que nos recuperamos, Recife vive certa crise por isso: não sabe como, via capital privado, manter sua tradição e sua renovação.
É esta a colaboração que Jesus Sangalo deu a Mauricéia Desvairada este ano, sem esquecer um só minuto da prioridade total ao frevo de palco e ao frevo canção, como cabem aos Bailes da Cloaca Máxima do Nordeste.
E Recife baixou a guarda, parou de ter medo da Bahia – agora que a indústria do axé-music não assusta mais ninguém, moribunda que está. Daniela Mercury vai cantar no vetusto Baile Municipal do Recife – o “Baile Oficial” do Carnaval, aberto por quase década (e até hoje) pela Spok Frevo Orquestra. E no Baile dos Artistas, Alcione cantou depois da Orquestra Popular do Recife repertórios do carnaval de São Luís do Maranhão.
Daniela Mercury aliás levará parte do Neojibá (seguramente, a melhor Sinfônica Jovem da América Latina) pra cima de seu trio, no dia em que sair sem corda – sábado. Natural, pra quem, amiga de Ricardo Castro, já o pôs num piano na avenida há quase uma década.
Não só Salvador se coloca como co-capital do Rio de Janeiro, mas leva junto Recife. Qualquer semelhança com a função de estabilização nacional que Bahia e Minas representaram entre as décadas de 40 e 60 não é mera coincidência.
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A preocupação da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia vai, contudo, além dos que frequentam a festa. Extensa pesquisa sobre o comportamento dos residentes de Salvador durante a folia será lançada dia 3 de fevereiro, quarta-feira pela manhã, no Palácio da Aclamação.
Isto é: a SECULT-BA está afirmando de modo claro que, não obstante entenda e estimule que o Carnaval de Salvador seja uma plataforma de lançamento para a música do país inteiro que seja fora do mainstream, prioriza a festa para o habitante, e não mais para o turista.
Curiosamente, a questão da rentabilidade do carnaval vem sendo discutida também alhures. A conclusão é de que os carnavais são quase sempre deficitários, e precisam ter mais investimento privado para não o serem. Vai nisso uma meia-verdade: o de Salvador era tão mais deficitário quanto menos Estado tinha. Por outro lado, como dissemos acima: com a retomada, Salvador sai na frente, unindo o know-how privado ao que recentemente aprendeu do modelo pernambucano de financiamento público.
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Mas, como diz o ex-Rei Momo Gerônimo, “já é carnaval, Cidade!”. Acorda pra ver!
Nesta terça, 2 de fevereiro, tem Baile Esquema Novo especial de Yemanjá, no Rio Vermelho. Começa na rua, em frente a Boomerangue, de graça, e só entra no inicio da noite, aí já pagando.
Toda segunda tem Samba da Igreja, no Centro Cultural da Barroquinha (a única coisa digna que João Henrique fez em 5 anos); e tem Cortejo Afro no Pelô, também reformulado e também começando tocando na rua, de graça, em circuitinho pelas ruas do ex-Maciel de Cima. E ensaio do Baiana Sistem toda quarta no Cabaré dos Novos do Teatro Vila Velha. E Mariene de Castro, também na Igreja da Barroquinha, faz seu Santo de Casa, lotadaço, todo fim de tarde das sextas.
E ainda tem mais! Sarau do Brown todo domingo no Museu du Ritmo, Baile Esquema Nave (juntando a “festa do anti-axé” que é a Nave, com a do pós-axé, que é o Esquema Novo, numa noite só) dia 6 de madrugada (pra ir depois do Retrofolia).
Salvador não dorme! E como diz Luciano Matos, não estamos falando de axé-music, nem de longe…
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