Unhão: filho da Avant-Gard, bunker da Resistência, pai do Pós-Axezismo
A exposição que ocupa até março o Museu de Arte Moderna da Bahia, Solar do Unhão, acaba sendo uma propaganda enganosa no que tange expor finalmente o acervo completo e reformado – não está lá todo, embora esteja em grande parte.
Contudo, a exposição é vultuosa, e tem o mérito de sua Linha do Tempo, no subsolo do casarão, onde antes ficava o tétrico Restaurante (turístico) Solar do Unhão, revelar com clareza o trajeto das políticas de aquisição de obras do Estado da Bahia.
Pelo menos três coisas ficam bem claras nela. A primeira é que, sem dúvida, Octávio Mangabeira foi o grande Governador da Bahia – e o articulador por excelência da Avant Gard. Sem ele, seria impossível virtualmente articular Mestre Bimba e o Magnífico (poucos homens no mundo merecem, de fato, este título honorífico) Reitor Edgar Santos; o poço de petróleo no subúrbio do Lobato e a nova música e novo cinema de Smetak e Walter da Silveira.
Sem dúvida Mangabeira era um gênio – e não só por ter elevado a xibietagem a categoria nosográfica, com suas lendárias tiradas de humor político. Um gênio que ACM invejou e não conseguiu eclipsar – como fez com Balbino, Luiz Viana Filho, Lomanto Júnior, e até com seu então mestre Gal. Juracy Magalhães (tio-avô do arqui-anticarlista tucano bahiano Jutahy Júnior).
Juracy que, diga-se, a exposição deixa claro: por mais que seja de direita, e coronel, não chegou perto da raivosidade de um Carlos Lacerda, no Rio de Janeiro. Gal. Juracy foi quem trouxe Lina Bo Bardi para organizar o MAM, por exemplo. Homem de visão, que só ficou sem rumo depois do Golpe Militar de 1964 (a que apoia apenas num primeiro momento, e já nos anos 1970 passa a ser contrário. Claro, não sem interesse: é quando ACM ascende na Bahia, traindo Juracy sem no entanto mudar a oligarquia vigente).
Segundo ponto: o emparedamento claro dos dois governadores eleitos diretamente já sob o golpe. A Bahia foi dos poucos estados que conseguiu manter governadores eleitos em 1962 e 1967. Especialmente, Luiz Viana Filho, cheio de idéias, mas sempre coagido e se auto-censurando para evitar perder o cargo – isto é: que a Bahia caisse mais rápido ainda no simulacro de juracyzismo que era o jovem ACM.
(Nota: Geddel imita ACM em métodos políticos, sem imitar na inteligência, relativa elegância, e eficiência administrativa; ACM, ele próprio, imitou tudo isso de Juracy. Geddel não é apenas um simulacro, mas um simulacro de simulacro. É falso-ao-quadrado!).
Fica claro também que foi durante os anos militares (isto é: enquanto o carlismo pessoal teve força) que as aquisições de obras no MAM-Bahia cessaram. Só retomadas em 1994, no primeiro Governo Paulo Souto – graças a Heitor Reis. Processo que não foi interrompido sequer pelo (des)Governo César Borges (aquele, que grampeou ilegalmente, provocou greve das duas polícias, e espancou adolescentes em campus de universidade federal). E o que corrobora com o fato de que agora, sim, temos política de museus clara e efetiva.
Este é justamente o terceiro ponto relevante: Solange Farkas presta justa homenagem a Heitor Reis, que (re)consolidou o MAM. E Wagner tira o chápeu, indiretamente, a Paulo Souto – por ter começado os primeiros ajustes que levariam ao fim do carlismo.
Assim, é uma exposição altamente politizada, quase uma pedagogia do poder, sem ser partidarizada. Coisa rara nesses tempos de lulismo galopante cinematográfico – e mais um traço de diferença positiva entre Jaques Wagner (impessoal, austero) e Luiz Inácio (que, às vezes, beira Mussolini em culto de auto-imagem – com sinal trocado, evidentemente).