Questão de Método

06/12/2009 at 13:02

teatro

O blog Cultura na UTI, que faz oposição a gestão de Márcio Meirelles a frente da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (oposição, e não crítica; crítica faço eu, faz o Terra Magazine, entre outros) publicou artico revelador (para o bem e para o mal, e revelador tanto a respeito do UTI quanto da SECULT). Segue trecho & comentários:

A classe artística pode e deve imediatamente reagir a declaração (jornal A TARDE, 27.11.2009, pág. A-8, editoria de Salvador) arrogante e cínica do diretor do Teatro Castro Alves quando, para tentar justificar a ausência de inscrições para os editais do Núcleo do TCA, disse: “Meu questionamento a isso tudo é que talvez essa propalada crise na cultura esteja acontecendo dentro do cerne (sic) dos criadores. Mas vamos relançar o edital do tema livre ainda em dezembro em data a ser anunciada até o fim da semana que vem… no caso de novamente não haver inscritos com documentação em ordem minha posição é de que não haja uma terceira tentativa… “

Vamos aos fatos: o Cultura na UTI reclamou que os editais do Teatro Castro Alves, e outros para o setor cênico, eram parcos em valor, e poucos em quantidade. O TCA vai lá e praticamente dobra o edital deste ano: pode-se concorrer com peças infantis, serão dois selecionados por categoria (adulto e infantil), com valores maiores, e exigências mais flexíveis (o número de atores exigido no edital de 2008 eram muito rígido).

Isso disse a mim Moacyr Gramacho numa coletiva sobre o lançamento do edital do Núcleo TCA há dois meses atrás, numa coletiva para a qual acorreu, além de mim, uma jornalista do Jornal Já Vai Tarde, apenas.

Preste bem atenção, leitor: uma coletiva. Do diretor do maior complexo cênico do país (três palcos, foyer, jardim suspenso, 16 salas de ensaio, duas sinfônicas, etc.) do país. Sobre a duplicação de editais de fomento a teatro, em todos os aspectos. E vai uma jornalista, apressada, e um blogueiro. Apenas. Parece-lhe normal uma situação dessas?

Curiosíssima é o que o Cultura na UTI faz quando, como agora, tem suas reivindicações atendidas: ninguém se inscreve nos editais. Sim, há menos inscritos do que vagas previstas, como um leitor me alertou há semanas atrás.

Ora, por que? Há-de se supor que o UTI tenha motivos para tal. Alegam que os editais têm seleção viciada contemplando uma “panelinha”; que não são pagos a tempo; e que exigem rigores e prazos a que um artista, refém de sua inspiração (?), não pode cumprir. Mais: recusa-se a ter como parte do trabalho a realização de oficina com os usuários, pobres, do Centro Cultural de Plataforma, no subúrbio ferroviário de Salvador.

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Por partes: dizer que o edital é viciado, e só escolhe as mesmas pessoas, é uma falácia. O sistema de editais só se realiza desde 2007. Dois eventos não configura representatividade estatística sequer intuitiva. Ademais, ainda que seja verdade: não se inscrever diminui a chance de isso acontecer? Como? A mim, parece profecia auto-realizada: só escolhem os mesmos; então não me inscrevo; viu que não me escolheram?! – é panelinha; então não me inscrevo; então não me escolhem; então é panelilha; então não me inscrevo – ad infinitum ut nauseam.

De fato, o Estado não tem pagado as contas da Cultura a tempo. A culpa é mormente do último bunker do carlismo: a Procuradoria Geral do Estado (PGE). Tudo que vai parar lá, estanca – e a SECULT tem sido alvo preferencial (talvez porque o Governo Wagner recolocou a Cultura como uma questão política, e eleitoral, central). Não obstante, na supracitada entrevista coletiva, Moacyr Gramacho garantiu o pagamento a tempo e em volume exato. O TCA tem, além da conta do Fundo de Cultura do Estado da Bahia (de onde sai o dinheiro dos editais), uma conta própria, independente, cujo dinheiro tem origem em venda de bilhetes, pagamento de pauta dos palcos, propagandas institucionais feitas no TCA por empresas. Na gestão atual, este fundo ampliou suas reservas com uma negociação de pauta e publicidade mais dinâmica e agressiva. Portanto, o pagamento poderia sair do fundo próprio do TCA, caso a PGE e o Fundo de Cultura dessem algum pepino.

Isso foi dito numa coletiva, e publicado no Jornal A Tarde do dia seguinte. – a que não acorreu nenhum dos interessados do Cultura na UTI que, agora que têm um blog, deveriam saber que são tão imprensa quanto nós aqui ou quanto o Jornal Já Vai Tarde. E deveria comparecer, questionar e publicar sobre isso – mesmo em discordância, e para-além de seu interesse como produtores e potenciais prestadores de serviços ao Estado.

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Como sabem, sou escritor e participo de concursos literários, públicos e privados, Brasil afora. E portanto, agora falo não como servidor de carreira, ou debatedor político – mas como alguém que se identifica totalmente ao Cultura na UTI, posto que também fico refém de editais.

Os editais de produção literária têm, em geral, exigências esdrúxulas, prazos neurotizantes, etc. Consigo cumprir quase todos. Pergunto: porque o povo de Teatro não conseguiria? O fato de ser uma criação coletiva é um problema certamente – contudo, não um empecilho.

Disse “Brasil a fora” porque a PGE não permite que servidores de outas categorias do Estado concorram em certames da Secretaria de Cultura do Estado. Eu sou da Saúde, em nada minha participação tornaria os certames suspeitos. Em Minas Gerais, estado parecidíssimo com a Bahia em dimensões geopolíticas, e exemplo de transparência e eficiência administrativa, permite que qualquer cidadão se inscreva nos certames da Cultura Estadual – desde que não seja servidor da Cultura. É de Saúde, Administração, Educação? Pode, e deve, se inscrever!

Pense-se o prejuízo que isso causa às pequenas cidades do interior bahiano, em que os produtores e fomentadores de cultura provavelmente são eles próprios servidores estaduais de outras áreas – e por isso impedidos de concorrer. É um problema sobre o qual mais de um gestor da SECULT me disse estar atentamente preocupado, e tentando de todo modo resolver.

Ainda sobre editais, é muito incomodo para nós, artistas, quando cumprindo tudo, os resultados não são entregues no prazo, ou o prêmio, e nada é dito a respeito. Se os editais da SECULT-BA têm atrasado, ao menos têm sido dadas sistemáticas explicações e esclarecimentos. Há alguns de que participei em outros estados onde tudo atrasa, e ninguém avisa nada a ninguém. Fico puto! E por vezes passo a boicotar tais certames (notem que na aba Concursos Literários aqui, quase todos têm como ponto de minha avaliação o ítem “Defeitos”). Não sou o único: a galera do blog Meio-Tom faz, corretamente, o mesmo.

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Sobre o tópico da recusa em prestar oficinas a garotos do subúrbio como parte das obrigações do vencedor dos editais, é tão torpe e carlista-fashion que eu me recuso a comentar.

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Claro: não dependo de minha literatura para sobreviver, diferente de quem optou por viver da Cultura apenas, como o povo de teatro. Mas outros setores, como o de música, está em geral bastante satisfeito – e era o setor que mais sofria no auge do carlo-axezismo, por motivos auto-evidentes.

O que coloco é que o método de combate e embate do Cultura na UTI é completamente ultrapassado: agem como se fossem militantes clandestinos da UNE lutando contra uma ditadura – quando é o justo oposto: a tirania acabou em 2006, como até as pedras portuguesas alijadas do Porto da Barra sabem.

Cheira a mofo tais métodos. Traz barulho, e pouco resultado. Torna-se um sintoma, e um gozo algo masoquista. Como tenho alguns amigos e conhecidos a que admiro também no Cultura na UTI, é um conselho e um pedido que aqui faço: posturas firmas, entretanto mais dialógicas, são mais eficientes – experimentem-nas, como aliás Fernando Marinho tentou fazer num episódio deste ano, com bons efeitos.