Notícias do Pós-Axezismo
A Carta Capital desta semana dá destaque a produção musical que não passa pela mídia, pelas grandes gravadoras, e que vem de fora do eixo Sampa-Rio-BeAgá-Porto Alegre. Especialmente, vem de Recife e da Bahia. Assim mesmo: Recife & Bahia – em pé de igualdade! Quem diria, hein?
Edu Krieger. Lulina. Ronei Jorge e Os Ladrões de Bicicleta. Lucas Santtana. Desconhecidos da maior parte do público, esses são alguns dos nomes que levam a (boa) música brasileira adiante e têm feito de 2009 um ótimo ano em termos musicais. Em terra aplainada pela pulverização via internet e pelo esfarelamento das gravadoras multinacionais, esses e outros nomes partem de uma relação zerada com seu ofício, mas ainda voam longe do sucesso de massa.
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Mais radical na demolição da MPB como a conhecíamos é Lucas Santtana, ativo militante da cultura digital, cujo ímpeto provocador deve estar inscrito no código genético, pois é sobrinho de Tom Zé e filho do também baiano Roberto Sant’Ana, produtor musical ligado às origens do grupo tropicalista. Lançado em julho, seu Sem Nostalgia (ybmusic) tornou-se um dos discos de ponta de 2009, pelo trabalho de desconstruir (e reconstruir) a importância, a sombra e o peso do violão brasileiro, por intermédio de trechos instrumentais “sampleados” (de modo não raro imperceptível) de Dorival Caymmi, Baden Powell, Jorge Ben, Gilberto Gil, Tom Zé e Novos Baianos.
A banda Ronei Jorge e Os Ladrões de Bicicleta participa da vanguarda musical destes primeiros anos 2000, seja por injetar algum amor pela MPB no rock’n’roll, seja por praticar rock’n’roll em terra até há alguns anos colonizada quase exclusivamente pela axé music. “Comecei em 1994, época da explosão da música baiana, do axé. Aqui era meio deserto, a gente não tinha uma grande profissionalização, e a música de carnaval tomava a frente de tudo”, diz, de Salvador. “Até hoje é meio assim, mas diminuiu.”
No recém-lançado Frascos Comprimidos Compressas (Gira Independente), o grupo distende a relação tensa com a hoje enfraquecida axé music. A letra de Aquela Dança, por exemplo, dialoga com os ex “inimigos”, e Ronei comenta: “Alguns do rock torceram o nariz. Os mais jovens adoram, são muito mais abertos que nossa geração”. Como a ecoar o título farmacêutico do CD, o cantor e compositor recebe como opressora a alegria hegemônica do axé. “Se você não fizer parte, fica parecendo que é meio doente. E às vezes é uma alegria meio tensa, alguns artistas ficam meio dopados na alegria. Ninguém é assim sempre”, afirma.
Se ninguém é sempre alegre, tampouco deve ser triste sempre (como o rock independente costuma induzir). “Quando a tevê daqui faz reportagem sobre rock, é todo mundo de preto, morcego, tachinha. Não tem relação com a música pop. A gente tenta trazer um discurso de leveza e as bandas mais jovens são muito mais relax”, opina. “A relação entre o rock e o carnaval é de ódio e de amor. A gente odiava, mas todo mundo corria para ver Pepeu Gomes e Armandinho tocando guitarra. Hoje revisitamos Gerônimo, Luiz Caldas, Moraes Moreira. A gente está mais à vontade.” Ronei concorda que a distensão se relaciona à morte de Antonio Carlos Magalhães e ao declínio do carlismo na Bahia: “Se estivéssemos em período de Antonio Carlos, seria impensável a diversidade. Hoje se apresentam aqui a Mariana Aydar, o (coletivo experimental paulista) Instituto. Abriram-se editais, antes nem sabia o que era isso”.
Embora falando apenas do Rónei Jorge, não é a primeira vez que a Carta Capital aponta exatamente para isto: o axe-sistem era a superestrutura do carlismo; a crise de um e de outro são duas faces da mesma moeda e apontam para o tardio fim da Ditadura Militar na Bahia.
Com argúcia, a Carta percebe também como o Manguebeat serviu de resistência para Pernambuco à indústria cultural bahiana (que na verdade servia como um braço-invasor do sudeste) – e que, por outro lado, acabou sendo estagnante para Recife no longo prazo (coisa que aliás já dissemos aqui):
Terra de frevo e maracatu, o vizinho Pernambuco não teve seu axé, mas viveu uma contrapartida ao comercialismo desenfreado baiano, na figura do cultuado, experimental e nem sempre muito comunicativo mangue bit. Se há distensão por esse outro lado, um de seus nomes é Lulina. Cantora e compositora imersa em anos de gravações caseiras (e do emprego principal em agências de publicidade), ela acaba de publicar um brilhante álbum de estreia, Cristalina (ybmusic), em que a doçura se faz matéria principal de dezoito canções pop daquelas de decorar as letras após a segunda audição e cantar junto.
Lulina explica como recebeu, ainda adolescente, o advento do mangue bit: “Fui só uma vez a um show do Chico Science, um dos últimos dele. Ele era vizinho da minha tia-avó, vi o carro batido, a relação era mais com a pessoinha que com a música. Eu era mais garota revoltadinha, na onda Nirvana, Sepultura, camiseta com caveira”. Mas nem Nirvana, nem mangue bit, nem o samba (que também diz admirar) deram cartas em seu som. Ela descreve sensação parecida à de Ronei Jorge na Bahia, quanto ao predomínio de um ou outro gênero musical: “Era difícil a banda que não tocasse regional ter espaço. Se você não faz regional com rabeca, ciranda ou mangue bit, não é Recife”.
Nem tudo são flores, entretanto. Recentemente, o legendário Emanoel Araújo fez críticas ao Secretário Marcio Meirelles no mesmo tom de Aninha Franco. Só que de Emanoel não se pode dizer que não conheça o trâmite público (ele fez da Pinacoteca do Estado de São Paulo o melhor museu da América Latina), nem que seja um ressentido invejoso, muito menos inconsequente ou carlista.
As respostas de Marcio foram, cá entre nós, superficiais. E o que Emanoel aponta é o que temos dito aqui: a política de museus come poeira para as outras áreas da Cultura, e para a política de museus do antanho carlista (tão a esquerda que Emanoel Araújo foi um de seus baluartes). As palavras de Emanoel Araújo são algo que a SECULT deve, por obrigação cívica (senão por excelência administrativa), levar fortemente em consideração.
Tanto mais por ter saído na Terra Magazine de Bob Fernandes – uma revista eletrônica cuja sede é em Salvador (e dada sua importância, isso faz dela também uma peça-chave no anti-axezismo, bem como a Carta Capital por ter o bahiano Leandro Fortes como uma das figuras-chave), e que tem acompanhado e apoiado todas as vertentes do pós-axezismo (mesmo quando ninguém mais da grande mídia – nem mesmo a Carta – dava uma vírgula a respeito); a Terra Magazine que claramente apóia Jaques Wagner, tem horror a Geddel Vieira Lima e que melhor noticiou a prisão de Daniel Dantas e seus arrabaldes.
Não é, portanto, uma opinião “de viúva”. Mister não simplificar.
Pra não ficar só no chororô, vale notar o reconhecimento que o Nordeste inteiro tem a Marcio Meirelles como Secretário de Cultura. Notem que ele disputa tal prestígio com a mítica figura de Ariano Suassuna, Secretário da mesma pasta por Pernambuco. Disputa, e vence de lavada, como fica claro nesta entrevista dada a um importante jornal diário do Ceará.
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