O PSDB deve essa a Jaques Wagner
Do Bahia em Pauta, do excelente Victor Hugo Soares:
Normalmente uma pessoa contida, o ex-governador Roberto Santos ontem desabafou sobre ‘gelo’ oficial que recebia no tempo em que o carlismo estava no apogeu. Após inaugurar, ao lado do governador Jaques Wagner e de Waldir Pires, 14 novos leitos de UTI pediátrica no hospital estadual que leva o seu nome, admitiu a mágoa: ‘Por anos, fui escorado da política, sem o devido reconhecimento de que fui um dia governador da Bahia. Desde que deixei o governo, nunca mais fui convidado a entrar neste hospital. Só depois que Wagner foi eleito, este sentimento me foi devolvido’.
Roberto Santos ainda está entre nós, até para desabafar (felizmente). E Rômulo Almeida, que idealizou o Centro Industrial de Aratu e o Polo Petroquímico de Camaçari [e criou o Plano de Metas de Jucelino Kubitchek – acréscimo nosso] e nunca teve reconhecimento público à altura do seu legado por mera perseguição política?
O compositor Paulinho da Viola tem uma frase que é perfeita: Quando penso no futuro, não esqueço do passado. É muito comum dizer que o brasileiro tem memória curta, o baiano então…ponto para Levi pelo oportuno registro. Ponto também para o governador Wagner. É importante observar que, desde que ele assumiu o governo baiano, tem procurado resgatar personalidades como o professor Roberto Santos.
A título de ilustração, vale um lembrete: o Estádio Roberto Santos, o popular Pituaçu. Para os que têm memória é fácil recordar o estado lastimável a que ele foi relegado só, somente só, por ter o nome Roberto Santos, assim como equipamentos de ponta que ficaram anos encaixotados no Hospital Roberto Santos, pelo mesmo motivo. Tenho informações seguras que, setores importantes do governo Wagner, sugeriu até uma campanha para popularizar o nome do estádio não como Pituaçu, mas Estádio Roberto Santos, uma forma de homenagear o ex-governador. Triste de um povo que não tem memória. A vida e a dignidade do professor Roberto Santos dispensam maiores comentários.
Já dissemos aqui antes: Wagner é tão PTista quanto Aécio Neves é Tucano. Ambos tem uma visão maior de seus estados do que quaisquer outros da atualidade.
O PT tem o ranço de tomar para si a patente da roda: age como se nunca houvesse havido esquerda antes no país. Jaques Wagner não faz isso. De 11 em cada 10 discursos que profere, lembra os brilhantes governadores de antes do carlismo: Luiz Viana Filho, Antonio Balbino, Antonio Lomanto Júnior. E é fã de carteirinha declarado de Octávio Mangabeira (talvez das mais interessantes personalidades políticas da história do continente. Só suas legendárias frases de efeito já mereceriam estudo sério), um UDNista moderado e varguista – não é, como Lula, um janguista encubado.
Wagner não faz isso por acaso. Ele sabe que ACM tentou, como Hitler, reescrever a história: apagar da memória do povo Balbino e Mangabeira, Rômulo de Almeida e mesmo Roberto Santos – único interregno democrático nos governos estaduais da Bahia durante o Regime Militar. ACM tanto tentou reescrever a história que até a memória do fim da Guerra de Independência Nacional (travada por populares nas águas e morros da baía de Todos os Santos, com tropas arregimentadas na bacia do Rio Paraguaçú desde seu alto, em Lençois e Caetité, até sua foz em Cairu) ele tentou destruir, ao mudar o nome do Aeroporto de Salvador para o de seu insignificante filho – bem como mandando a Polícia Militar bater na então prefeita da capital, Lídice da Mata, num desfile do Dois de Julho, bem como em outras lideranças democráticas, isso em plenos anos 1990!
Roberto Santos, pra quem não sabe, é filho do legendário Reitor Edgar Santos, que revolucionou o modelo de universidade brasileira nos anos 1950. Pegou uma faculdade de medicina conservadora, e transformou num campus de artes que é, até hoje, referência mundial: a Universidade Federal da Bahia.
Roberto Santos além disso foi por dois anos presidente da Organização Mundial da Saúde. É a velha aristocracia bahiana, de Castro Alves, polida, elegante e anti-escravista – na qual ACM nunca foi aceito.
Dr. Roberto Santos é do PSDB. Tucano desde a época de Montoro. Embora patrono do Neojibá (a menina dos olhos das políticas sociais e culturais de Wagner), e admirador declarado do governador PTista, deve sair candidato a senador na chapa oposta. A aliança PSDB-PT na Bahia se esgarça.
Pois bem: Jaques Wagner acaba de lançar um candidato a senador (que facilmente vencerá a segunda vaga) pela chapa de seu opositor, Paulo Souto. Quantos políticos você conhece que têm articulação e capital simbólico para fazer isto? Quantos, tendo, dariam força a um inimigo tático, em prol da pluralidade democrática e do resgate histórico?
Wagner sabe da necessidade urgente que o país tem de ter um partido de direita que não seja feudal e autocrático, e que seja socialmente sensível. Roberto Santos representa, sempre representou, tudo isso. Depois venham me dizer que Wagner não é estadista…
Em tempo: A equipe Último Baile dos Guermantes aproveita para declarar, e recomendar, voto na figura impoluta, generosa, discreta, de Roberto Santos ao senado federal. O Governador vai me fazer, pela primeira vez na vida, votar no PSDB. E com gosto. Votar em alguém que, sendo do PSDB, não fará jogo sujo, atinará como sempre atinou pelo bem da civilização. Elevará em quilômetros o nível de argúcia, erudição, civilidade das discussões da casa.
Claro, só votaremos nele porque supomos que a primeira vaga será levada facilmente por Waldyr Pires. O que quer dizer que teremos nas cadeira bahianas da câmara alta três grandes ex-governadores da abertura, que representam também eles outros anteriores: João Durval, herdeiro de Luiz Viana e Lomanto Jr; Waldyr Pires, braço direito de Baobino e Mangabeira; Roberto Santos, hierático filho do Magnífico Ministro Edgar Santos.
Levou 60 anos, quase três gerações, mas o juracizismo caiu. E como disse Wagner numa recente entrevista a Samuel Celestino: “meu objetivo não era derrotar Antonio Carlos (Magalhães), e sim o (General) Juracy, que ainda reinava como um fantasma”.
Estadista, cá entre nós, é eufemismo.