Rodin, finalmente – II
Fui segunda-feira desta semana na entrevista coletiva mega-internacional do Governador da Bahia, Jaques Wagner, diretor do Museu Rodin de Paris, Secretário Estadual de Cultura Marcio Meirelles, e outros, sobre a chegada (finalmente!) das peças em gesso de Rodin à Bahia.
É fato histórico! Mas, vale lembrar: metade do mérito é de Paulo Souto, e um-décimo é de César Borges (que apesar do des-governo, reformou a Sala Walter da Silveira assim que se assentou nas poltronas do Palácio de Ondina – o que Seo Marcio ainda fica a nos dever).
Contudo, na coletiva ficou claro porque não é um retrocesso as peças terem chegado hoje (ao contrário do que eu disse a poucos meses atrás), ao invés de em 2007 (como Paulo Gaudenzi havia programado), e como é um sinal de que agora, temos, sim, uma política de museus. Antes, no carlismo, tinhamos bons museus, sem política sistemática. O diretor mudava de humor – o museu ia pro brejo. O que explica como Heitor Reis foi, até 2001, o melhor diretor do Arte Moderna (MAM Solar do Unhão), e até 2006 o pior.
As peças que chegariam em 2007 viriam compradas. Seriam, portanto, mais onerosas, e provavelmente, em menos quantidade. E seriam réplicas. Autorizadas, mas réplicas.
Com o sistema desenvolvido na gestão de Marcio, as peças vieram originais, com valor dez vezes mais baixo, e em comodato de três anos. Conseguir comodato de originais franceses de um dos três maiores escultores do mundo desde Fídias (os outros são Michelangelo e Aleijadinho, claro) já é, em si, fato similar a trazer Olimpíadas para o Rio de Janeiro – guardadas as devidas proporções.
Mais do que isso: até 2006, as aquisições de obra de arte pelo estado eram aleatórias, e sem manutenção posterior. Foi assim que por pouco o painel de Jenner Augusto no Restaurante Alto de Ondina não vai pro beleléu – salvo pelo gongo, por Jaques Wagner e por Frederico Mendonça, atual (e excelente!) diretor do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (IPAC).
Isso explica também a relutância de Marcio Meirelles em abrir um Museu de Arte Contemporânea da Bahia, embora até Frederico Mendonça ache urgente e ache que deve ser em algum forte militar da Cidade Baixa. Não dá pra abrir museus se não há sistema de museus ainda. Não dá pra adquirir peças como antes, ao gostismo do governante (e justiça se faça: ACM tinha excelente gosto estético, como soem de ter os grandes sádicos & ditadores), sem uma política clara de aquisições.
É bom ressaltar que o Estado de São Paulo, governado pela direita há 16 anos, segue pelo mesmo caminho: constituir políticas claras de aquisição e manutenção de acervo. Aliás, o auspício lá e cá vem do mesmo homem, o negão bahiano, santo-amarense, que pegou o lixão que era a Pinacoteca do Estado de São Paulo, e fez dela o melhor museu de artes visuais da América Latina: Emanoel Araújo (autor que tem duas obras, prova-do-artista, a me ladear neste momento em minha residência, o que muito me apraz & orgulha).
Dito isto, que fique claro que o aparente atraso na inauguração de facto do Rodin Bahia foi não apenas uma vitória deste museu, mas um turning-point na política de museus do estado e da cidade que mais os tem concentrados, no país: a Bahia, e sua capital São Salvador.
* * *
O que me assustou deveras na coletiva foi a frouxidão cabrestina e a limitação intelectual do jornalismo bahiano. Até o Governador admite, e disse, que trazer o Rodin pra Bahia é um ganho que atravessa várias gestões, numa continuidade de políticas de estado (que se aprimoraram agora, mas que surgiram algumas até mesmo no deplorável Governo César Borges). Também em outras áreas Wagner admite que foi Paulo Souto que abriu caminho para o fim do carlismo – e admitir isso foi uma das coisas que o levou a sua surpreendente eleição em 2006, contra todas as evidências.
Mas, leitor, você acha que o Correio da Bahia fez a singela pergunta, que deveria legitimamente constranger o governante, “O senhor está colhendo louros plantados por seu adversário histórico, não é?”? Necas! E a TV Bahia, claramente carlista? Também não.
Com uma oposição dessas, ninguém precisa de mãe…
E como sempre, o Jornal Já-Vai-Tarde (aquele que era anti-carlista, e hoje é anti-carlista pras negas dele) se superou. O jornaleiro lá presente perguntou “Qual o retorno financeiro (sic!) esperado com a abertura do museu?”. Ora, nem Paulo Souto nem César Borges o criaram para dar retorno financeiro – quanto mais agora que todos sabem que Turismo e Cultura são pastas desmembradas e independentes, embora trabalhem às vezes em conjunto (e melhor do que quando formavam uma só pasta).
Acometeu-me, admito, nesse instante, um acesso agudo de vergonha alheia.
O Governador foi taxativo, embora doce como sempre: “Olha, o retorno que se espera é fundamentalmente cultural. Mas se você quer números, a expectativa é de um aumento de 5% no turismo cultural do estado. Contudo, friso que o retorno é social e cultural – não é pra dar lucro”.
E o Jornal Já-Vai-Tarde recolheu-se a insignificância de onde não devia ter saído…
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