O trambolho nosso de cada dia
Do blog do Luís Nassif:
Agora, na véspera da COP-15, me chama muito a atenção como não se fala na incrível ineficiência dos carros. Parece que ficamos alienados com a beleza dos carros de hoje e esquecemos de fazer as perguntas óbvias.
Se procurarmos no Google as palavras INEFICIÊNCIA, CARROS, MOTOR A COMBUSTÃO INTERNA, pouca coisa relevante aparecerá. Por que escondem a incrível ineficiência dos automóveis?
O grande físico Amory Lovins, fundador da ONG Rocky Mountain Institute e chamado de Guru da Eficiência Energética, há tempo vem chamando à atenção para a ineficiência dos automóveis de hoje.
Apesar de toda evolução no que se refere ao conforto e à eletrônica embarcada, a eficiência energética permaneceu praticamente a mesma desde que o automóvel foi inventado na década de 1880. Na verdade o automóvel é um dos equipamentos mais ineficientes que existem e pouca gente fala disso, ou por desconhecimento ou por não ter interesse em falar do assunto. Amory Lovins é exceção.
Ele diz que, considerando-se um carro médio nos EUA (o que logo logo não estará tão longe do Brasil, visto o crescimento das vendas de SUV’s e similares por aqui), cerca de 87% da energia do combustível nem chega às rodas do veículo, sendo perdida em:
– perdas do motor à combustão interna
– transmissão mecânica
– paradas do veículo
– acessórios (ar condicionado, etc.)
Dos 13% que chegam às rodas, metade é perdida na resistência do ar e no atrito dos pneus.
Portanto, apenas 6,5 % de toda a energia do combustível move o carro. Porém, como os carros são pesados demais, a energia acaba sendo usada para movimentar o automóvel e não o passageiro. Assim, chega-se à conclusão final:
Considerando-se apenas um passageiro no carro, somente 0,3% da energia do combustível é usada para mover essa pessoa. É como se, de cada R$ 100,00 que colocamos de combustível apenas R$ 0,30 fosse usado para aquilo que desejamos, ou seja, nos locomovermos. Inacreditável. O produto de uma das maiores indústrias do mundo tem uma eficiência de 0,3%.
E o que é preciso fazer? Obviamente, atacar as principais ineficiências do carro, ou seja, motor, peso e aerodinâmica. Alguns exemplos mostram o caminho.
É aqui que começo a discordar: não há solução para o carro (a não ser, talvez, alguma política de car-sharing que vá além da “carona solidária”) – e sim sem o carro.
Solução que é possível mesmo numa cidade com um transporte coletivo tão ruim quanto o de Salvador. Desde o último Dia Mundial Sem Carro, passei a fazer meus percursos em dias úteis de ônibus, com uso do bilhete único. O bilhete único de Salvador é uma falácia: a segunda perna, tomável em até no máximo uma hora, não é gratuita, e sim apenas tem valor de metade do preço normal. E mesmo assim só se você pegar uma linha de outro setor (que são quatro: A, B, C e D). Se por exemplo, você emenda um ônibus setor B com outro setor B, terá de pagar inteira novamente.
Ou seja: considere-se que meu uso de bilhete único implica em pagar quantas passagens forem necessárias para integrações suficientes que não me deixem esperar no ponto mais do que cinco minutos.
Ainda assim, é mais rápido – e confortável! – do que usar carro. Vou lendo no percurso, sentado, e vendo a cidade; eventualmente, paquerando (hábito urbano que depende inevitavelmente do andar a pé: desde esse mesmo período já me bati três vezes com um carinha aqui da rua que sempre, sempre, me olha e sorri. De carro, isso não ocorreria). O tempo total é, no máximo, 10 minutos a mais do que de carro, às vezes é menos.
Note: pagando duas passagens, e ainda assim é menos do que eu gastaria de combustível. E eu não estou aí contabilizando os custos de IPVA, seguro de automóvel, revisões e manutenções, estacionamentos.
Donde se pode concluir duas coisas: 1) a classe média de Salvador, que tanto pragueja contra o (péssimo!) transporte coletivo da capital bahiana, é quem menos pode reclamar. Poucos bairros são tão bem servidos de linhas de ônibus como a Barra, de um lado, e o Itaigara, do outro; 2) o uso de bicicleta é pedagógico até mesmo para adesão a outros meios de transporte.
Quero dizer que não mais usarei automóvel individual? Não. Na verdade, sou a favor ainda da idéia de que todo cidadão tem direito a ter seu próprio automóvel – bem fordista. O que não pode é ele limitar seu léxico e sua sintaxe de deslocamento a ele. Ciclistas que só usam bicicleta usam pior do que quem usa vários meios, porque não compreendem a “linguagem” e o “ponto de vista” de quem está ao volante, a pé, ou de ônibus por exemplo. Como na nutrição e no ensino da língua materna, o importante é incentivar a variabilidade lexical, os múltiplos níveis de linguagem. E fazer o sujeito se perguntar sobre qual é, para aquele percurso, o melhor meio de transporte. Se for o carro pessoal, ótimo. Se não for, por que usá-lo? É pura carrodependência!
E, sobre bilhete único, vai abaixo a proposta radical do ex-Secretário de Transportes do Governo Erundina, em São Paulo capital, Lúcio Gregori: o passe livre permanente, e a extinção da figura do “cobrador de ônibus” da “passagem” e da “catraca”. Parece utópico? Na Austrália é assim…