A canção sem canção

10/09/2009 at 19:05

Música di-VER-gente

morota

Entre os quatro entrevistados, Morotó Slim é o mais velho, sendo o elo perdido entre a geração da Resistência e a da Retomada. Participou de duas grandes bandas bahianas: o Dead Billies e o Retrofoguetes. E é o único dos quatro que não faz letra (e no Dead Billies não fazia letra em português), nem canta. É a canção, sem canção. E, no fundo, mais um Filho de Gandhy de Dodô&Osmar.
O Retrofoguetes foge do padrão das bandas de surf-music. A gente quer passar sentimento, tencionar notas – algo como Chico Buarque nas letras das canções. Mas isso é muito difícil numa linha somente instrumental. E o ChaChaCha tem esse lance interessante: as pessoas conseguiram identificar o que a gente pensava e sentia enquanto compunha – viam as imagens na canção.

LUCAS JERZY PORTELA: O Retrofoguetes faz canção?
MOROTÓ SLIM: Qual conceito da canção, né? Eu sempre imaginei que era o que podia ser cantando. Se a canção passa uma mensagem, a minha música instrumental passa uma mensagem. Talvez a canção tenha mais a ver com sentimentos que com palavras. Essa história de Chico Buarque dizer que a canção acabou talvez seja uma coisa pretenciosa dele pelo fato de ele não produzir nada novo. A canção pode ter acabado no sentido de que eu sempre tive dúvida se houve uma renovação na música brasileira desde a Tropicália. Los Hermanos é uma renovação? Mas vem de Chico Buarque… Não há nenhum nome marcanta na renovação da canção nos anos 2000 – há bons instrumentistas: Rafael Rabelo, Yamandú Costa.
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Você…
Eu não… [risos] O que eu acho que eu contribuo é eu saber de muita coisa que pouca gente conhece: a coisa da guitarra bahiana, do frevo elétrico, e coisas de raiz americanas. E de eu pesquisar coisas obscuras, e eu aprendi a falar no sotaque destes estilos. E aí ninguém conseguiu apontar que tal ou tal música nossa tem influência desse ou daquele autor. Tem uma coleção que eu gosto muito que chama Ultralounge, que é uma abertura pra música visual.

Você falou que não surgiu nada de novo desde a Tropicália.
Não é que não surgiu, mas não foi nada que marcasse como as bases da música brasileira, que influenciam até hoje. Você liga na Nova Brasil FM, e o que você ouve…?

Mas a Nova Brasil não mostra a música brasileira atual: não mostra O CírculoSiba e a Fuloresta (Pernambuco), Cabruera (Paraíba), Formidável Família Musical, Retrofoguetes, Vanguardt (Mato Grosso), Xique Baratinho (Alagoas).
É, não mostra. Ninguém, ao menos no meio comercial, ousou mais. A ousadia de um João Gilberto, um Tom Jobim, um Villa-Lobos. Villa-Lobos é um dos grandes da música popular brasileira.
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Villa-Lobos é popular? Villa-Lobos é erudita!
É “erudita popular brasileira”. Você pega os estudos dele pra violão, aquilo é maxixe, frevo, etc.
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Você acha que essa quebra de limites estilísticos que Villa-Lobos, ou Tom Jobim, ou a Tropicália fazia, não aparece no pagodão, no pós-pagode, tipo Psirico? – dada sua relação com o samba-duro, mas também com recursos modernos.
Não acho não. Respeito por ser um fenômeno popular, como a galera do hip-hop, ou do funk carioca. O pagodão é moderno por causa da tendência comercial. A Retrofoguetes fez uma vez um show na frente da prefeitura, e só tinha a gente de coisa eletrificada. O resto era tudo “bandas de samba do Recôncavo bahiano”, aquelas velhinhas, coisas incríveis, e isso é tão autêntico, tão verdadeiro – e eles não querem ganhar dinheiro com isso. Tocam isso no quintal da casa, no barro pisado. A renovação de que você fala, no pós-pagode, é apenas financeira.

Você disse que não houve renovação da Tropicália pra cá…
Talvez eu esteja esquecendo alguma coisa, mas se tivesse sido tão importante eu estaria me lembrando agora. Claro que surgiram músicos extraordinários e grupos importantes. Mas quem ocuparia hoje o lugar de um Pixinguinha e um Noel Rosa pras novas gerações? Lenine? Chico César? Talvez seja cedo demais, ou o fato de eu estar vivendo dentro disso não me permita perceber.
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Você ocupa um lugar atípico neste Cartel: dos entrevistados você é o mais velho, e por isso o único que não é da geração que eu chamo de pós-axé. Você foi da resistência ao axé-music, o que fez com que o pós-axezismo viesse a acontecer. Então, e a geração mais nova que a sua, ou então o MangueBeat de Pernambuco, não fez nada de novo?
Ótima lembrança! Eu estava sendo injusto! Chico Science foi a grande figura. Todo mundo fala que o Nirvana mudou o rock: mudou para pior! Chico Science, sim, fez uma revolução, unindo rock e regional, modernidade e tradição.
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Você falou de música visual. Você acha que a canção é a música visual?
Acho que sim. A música instrumental é como se fosse ler um livro, e a canção como ver um filme. Claro que filmes passam sentimentos, mas ele está lá pronto. A música instrumental te dar o livro pra ler, e o ouvinte tem de construir o resto na cabeça.
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Suas canções são muito visuais, fílmicas até.
Na verdade a gente tem um grande lance com o cinema, ou invés dos caras que conseguiram fazer trilha pra cinema. Como não deu pra fazer, a gente faz nosso disco. Mas isso é despretencioso, não é sistemático. O ChaChaCha surgiu de modo quase psicografado. As músicas vieram naturalmente – isso talvez seja canção. A conclusão que você tira ao ouvir é canção. As pessoas cantam as músicas das gentes no show, apesar de não ter letra.
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Como o frevo Vassourinhas, que todo mundo canta em onomatopéia.
Mas Vassourinhas hoje tem letra. Eu gostaria muito de tocar no palco do Cais da Alfândega, no RecBeat durante o Carnaval, já rolou umas conversas nessa direção. Mas não é hora de a gente sair daqui no Carnaval. O Trio Elétrico Foguetão é importante na atual retomada do Carnaval da Bahia, e disso a gente não vai abrir mão.
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O melhor de Recife não é o carnaval, mas os bailes pré-carnavalescos.
Que em Salvador foram acabando… Por outro lado, a gente tem talvez o único baile de carnaval de Salvador, que é o Retrofolia, na Boomerangue.
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As pessoas cantam suas músicas no show. E a canção é a música de cantar junto, de assoviar.
Algumas pessoas agora em São Paulo, no Festival PIB, ficaram comparando a gente com a Macaco Bong, do Mato Grosso – que são excelentes. A gente ganhou deles. Por que? Porque as músicas dele não são assoviáveis, são muito complexas – apesar de ótimas.
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O Retrofoguetes ainda faz rock?
Faz, claro! A gente sempre teve relação com todo tipo de música, inclusive folclóricas, étnicas. E eu tenho um defeito: eu não consigo tocar o mesmo riff duas vezes da mesma forma. O que a gente gosta é de colher as coisas que estão nas raizes, autênticas – porque a verdade está no passado mesmo. Não há nada de peso atualmente – talvez interrompido pela morte de Chico Science.
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Mas o MangueBeat não faz canção. Já na Bahia hoje praticamente só se faz canção. A nova geração da Bahia não é uma renovação? O Círculo, Clube da Malandragem, Formidável Família Musical, etc.
Eu nunca assisti um show do Círculo, nem conheço músicas dele, nem sabia que ele tinha essa recepção popular que você diz. Talvez seja tudo ainda muito novo para dizer que é uma renovação. Claro que o Retrofoguetes vem mostrando algo que nunca foi feito – e eu só posso falar com propriedade do Retrofoguetes. Pode até existir uma coisa nova, mas eu não faço questão de renovar porque tudo que eu faço parece velho. Esse ‘velho’, vindo de um modo diferente, pode parecer novo – porque as pessoas não conhecem o velho. E tem a maneira Retrofoguetes de tocar. A Formidável eu conheço e é uma coisa nova, e muito bem-feita – as coisas são sempre muito bem-feitas na Bahia. Será que o axé-music não foi uma renovação? [risos].
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O axé-music faz canção?
Se as pessoas cantam, e sentem, e ficam tão emocionadas no carnaval, deve ser né…
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Qual é o seu conceito de canção?
Será que é o fato apenas de ser cantada? Será que tá ligada diretamente a emoção? Será que tem de ter as duas pegadas – e a música instrumental não está inserido nisso? Será o fato de a música instrumental passar um sentimento, mesmo sem letra, e assim ser canção? Será que as pessoas podem cantar músicas instrumentais com onomatopéias, e com isso ser canção?
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Mas a onomatopéia está também na canção com letra.
Sim, tá no jazz, no samba, no rock.
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No Trio da Guitarra Bahiana, no Carnaval, vocês tocaram com Jackson, da Banda Mel. Era uma grande banda, não?
Do caralho! Eu era guri, ficava tentando tirar as melodias da Banda Mel, que era uma coisa já com dissonância, isso já me chamava atenção – eu toco desde os dez anos de idade. Eu já tava com a guitarra bahiana – na verdade, era um cavaquinho afinada como guitarra bahiana. O único valor como escola musical que há na Bahia veio de Dodô & Osmar – e do Carlinhos Brown, a Timbalada. Sendo um pouco radical, mesmo o samba-reggae do Ilê Ayê e do Olodum já são uma consequência. O Ilê é o troço mais autêntico que existe aqui!, junto com o Filhos de Gandhy, o ijexá.
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Você falou que sua música é sempre ligada ao passado, e a canção tem esse caráter de ancestralidade e de transmissão entre gerações. Disseram uma vez a Letieres Leite (da Orkestra Rumpilezz) que ele faz a coisa mais moderna e mais arcaica da Bahia ao mesmo tempo, e o mesmo com Dorival Caymmi. O Retrofoguetes também?
Moderno porque a linguagem é moderna mesmo, mas ao mesmo tempo a origem disso tudo é no passado. Eu gosto muito de ver aqueles filmes que têm a visão do futuro que se tinha no passado – tipo Brasília. O Retrofoguetes é um pouco isso com uma coisa melhor: a tendência a não fechar as portas, pra nada! Música boa tem em todo canto do mundo. Você dizer que não vai gravar isso por ser um tango, ou uma tarantela – você tá sendo burro. Talvez a mistura seja uma coisa importante.
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Tarantela seria o equivalente italiano da canção, só que dentro de uma leitura mais rigorosa da canção, a canção só existiria na costa atlântica das Américas, através da população negra trazida pelos brancos. É assim um meta-estilo.
Não existiria nada similar na europa? Lembra quando se fala na escola de “canção de amigo”, “canção de amor”, “canção de escárnio” – da prosa medieval. Porque querendo ou não, tudo acabou vindo do velho mundo. A polca, por exemplo, influenciou tudo: o acordeón aparece em todos os ambientes folclóricos de qualquer país do ocidente. O jazz – que é um dos berços da canção – por mais negro, tem de ter uma erudição, que vem da música clássica européia. O instrumento que se toca geralmente é europeu, na origem. A Europa, juntando com a África, dá um molho da porra! – o grande fogão foi as Américas.
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O Retrofoguetes seria possível se não fosse na Bahia? Se você não tivesse se criado no Bonfim?
Acho que perderia muito. Não seria a mesma coisa. Estava conversando hoje com Fred Menendez, e ele me dizia: “Negão, eu conheço um monte de gente que toca guitarra bahiana fora, mas só aqui a gente toca da maneira que deve ser tocada”. Velho, a escola foi formada aqui, por Osmar Macedo. Eu procuro, até tocando minhas músicas, deixar claro o sotaque daqui. Armandinho é importante? Muito! Aroldo é importante? Muito! Mas vamos atentar para a maneira que o velho Osmar tocava: ele declamava com a guitarra [faz com a voz imitação do som de guitarra]. Essa história não pode se perder, e tudo veio de Osmar. A gente tava ensaiando pro show e eu disse: “Viu, Aroldo? Tô fazendo do jeito que seu pai fazia…” e ele: “É mermo, Morota”. Os frevos de Osmar não são mera música de festa – são quase um beijo. Não é o mero ligatto entre as notas, como nos trombones de vara dos frevos de rua de Recife. A interpretação de Osmar… ele brinca com estas coisas. Ele quase beija a guitarra.
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Ele tocando o Hino ao Senhor do Bonfim é quase místico…
Isso! O que Armandinho fez, e Aroldo, são lindas – a maneira que os meninos pegaram do pai e transformaram em seu já é outra história. A escola de Armandinho e Aroldo Macedo eu não conheço nada igual! Olhe que eu cavuco música, mas eu nunca vi nada parecido. A Bahia tá deixando passar isso. Tem o Clube da Guitarra Bahiana, mas tudo é com muito esforço… O grande patrimônio de Salvador era o carnaval instrumental elétrico, dos anos 50. Como o Retrofoguetes. Talvez a única banda da Bahia instrumental que as pessoas dancem no carnaval seja o Retrofoguetes – nós somos filhos de Dodô&Osmar. Que nem Sandy&Júnior [risos]. É por isso que eu não acho que a música bahiana… Só existe essa facilidade de a Bahia ser um pólo de grandes músicos por que? Nós nivelamos por cima: Por Armando, Aroldo, Betinho. Nego tá vacilando, deixando passar algo que é muito bom, muito importante.
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O Tema do Carnaval esse ano são os 60 anos de Trio Elétrico.
Mais do que merecido! É bom mas passa – tudo no carnaval passa. Espero que isso chame atenção e desperte a garotada…Essa escola que Aroldo tá fazendo, com uns meninos pobres pra aprender guitarra bahiana, é incrível! Tem uns meninos hiper-talentosos, mas na média são apenas corretos. Agora, dedicados, adoram! E esse esforço de Aroldo, a recriação de Aroldo, Elifas, Armando. Reproduzindo instrumentos que já foram consagrados. Hoje eles são minha família: namoro com Dóris há 20 anos, minha filha é afilhada de Aroldo. Aliás, a menina é cheia de talento. Se depender dela, vai virar guitarrista de frevo elétrico. Você ta ligado que não foi só a guitarra bahiana que foi roubada pelos americanos sem patente? O rádio foi invenção de um padre brasileiro. E nos anos 50 veio um marinheiro americano aqui, comprou um pau-elétrico na mão de Dodô, e levou pra lá. Anos depois, olha a guitarra elétrica…! Agora, tem muita gente ingrata: Pepeu Gomes gravava disco e punha na capa “bandolin elétrico”. Porra nenhuma: é guitarra bahiana! E tem de dizer que é bahiana mesmo! Se ele aprendeu, e existe uma escola, foi Dodô&Osmar, e que é feito de Armandinho, Betinho, Moraes Moreira.
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Chiclete com Banana, no começo, não fazia frevo-elétrico? Tipo, Cometa Mambembe
Não! essa música nem é deles, é de Amelinha.
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Você sabia que Chiclete com Banana gravou uma música com letra de Manuel Bandeira? “Oh, por esse amor / você é tudo que brilha / é única ilha / no oceano de meu desejo” – é um trecho de Redondilha.
Mentira…!? é sério? Que louco isso! Mas tudo isso é tudo depois de Osmar Macedo. A renovação da moderna música bahiana, popular, que toca em rádio, vem do frevo elétrico.
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Cheiro de Amor, “Amor amor amor / tem Cheiro de Amor pelo país“, não era frevo elétrico?
Eu já achava uma bosta isso. Claro que há uma memória afetiva em relação isso, como com as músicas antigas do Chiclete: eu sou da Bahia, pô! [batuca o ritmo na mesa pra tirar dúvida] Não é frevo não, já é axezão mesmo.
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[batuca de novo] Essa aí ainda tem uma pegada frevo. Eu me lembro dos bailes do Clube dos Oficiais da PM, na Avenida Dendezeiros (Cidade Baixa), passava o trio elétrico do Cheiro na frente espergindo perfume… mas é fruto de Osmar também. Não adianta nego ficar falando “eu toco choro e guitarra bahiana, mas não tô muito ligado a coisa da guitarra bahiana…”.
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E a coisa de voltar a ter um diálogo com o axé-music, penetrar neste público com o rock, sem se render ao axe-sistem?
Quem começou isso foi Pitty (do Inkoma). O lance que Pitty abriu foi a possibilidade de a galera perceber que o rock era legal, era audível, dançável.
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Mas ela fez isso perdendo estética, se vendendo. E vocês fizeram isso também, com o Retrofolia e o Trio Foguetão – sem se vender.
O axé a que me refiro hoje não é as coisas dessa época do Cheiro e do Chiclete. Chiclete fazia frevo, galope, na época de Johny (Índio, ex-guitarrista do Chiclete), que foi esquecido por Bel. Johny tocava pacaralho! Nada impede que o rock, um dia, se torne a música do carnaval – isso no passado existiu, se tornar de novo jamais, é idealista. As pessoas estava querendo ir pro Carnaval, mas não gostavam de axé. Aí, passou a acontecer. A Banda Mel era formada por irmãos. Acabou essa coisa: você não forma mais bandas com parentes e amigos no axé – quem forma a banda não é você, é o empresário. E no rock, você ainda monta banda com quem você quer. É mais autêntico. O que o axé se tornou hoje não é uma coisa autêntica – já foi, não é mais. Umas bandas com o valor cosmético, de imagem, maior do que o músical. Outro cara que a gente tem de valorizar muito é Luís Gonzaga – que é um marco: só tolos que dizem que Luís Gonzaga tem uma harmonia pobre. Isso é meio um recado que tô mandando – um pessoal que fica embebido numa arrogância erudita, e não conhece metade dos acordes que aquele velho conhece…
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A canção morreu? Tem gente nova fazendo canção?
Acho que não morreu não. Fábio Cascadura faz canção. A Formidável Família Musical faz canção. Essa galera que eu não acho uma renovação da música brasileira, Lenine, Chico César, fazem canção. Chico César cantou um frevo elétrico em homenagem a Armandinho, com Armandinho, no carnaval – você lembra…
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E porque Chico Buarque, Tom Zé e outros dizem que a canção morreu?
Eles não conseguem nivelar por baixo. Eles vêm de uma linhagem muito grande. Quando eles olham pro presente enxergam pessoas que estão se esforçando, mas que não deram algo de tão significativo ainda. Eu tinha medo de Chico Buarque quando eu era pequeno, aquelas melodias tensionadas – talvez isso eu tenha herdado dele… Talvez o pessoal mais direcionado a raiz nordestina, tipo Cabruêra, Mestre Ambrósio, Cascabulho, estejam no caminho certo. Vivendo do Ócio é muito legal, tocamos com eles já.