Crítica para uma crítica da crítica
Diz Prof. André Setaro, no Terra Magazine do excelente Bob Fernandes:
Com o desaparecimento dos suplementos culturais e o advento de normas editoriais que privilegiam o texto curto, além da incultura reinante pela assunção do império audiovisual em detrimento da cultura literária (vamos ser sinceros: ninguém hoje lê mais nada), a crítica cultural veio a morrer por falência múltipla das possibilidades de exercício da inteligência numa imprensa cada vez mais burra e superficial.
Sérgio Augusto, crítico a respeitar, que militou nos principais jornais cariocas, em entrevista ao “Digestivo Cultural”, site da internet (vale a pena lê-la na íntegra), do alto de sua autoridade no assunto, afirmou que o jornalismo cultural está morto e enterrado, ressaltando que se fosse um jovem iniciante não entraria mais no jornalismo porque não vê, nele, perspectivas para a crítica de cultura (área de sua especialidade).
Dava gosto se ler o Quarto Caderno do Correio da Manhã com aqueles artigos copiosos, imensos, que abordando cultura e artes em geral, eram assinados por Paulo Francis, Otto Maria Carpeaux, Álvaro Lins, José Lino Grunewald, Antonio Moniz Viana, entre tantos outros. A rigor, todo bom jornal que se prezasse tinha seu suplemento cultural. Aqui mesmo em Salvador, vale lembrar o do Diário de Notícias e o do Jornal da Bahia (em folhas azuis). Atualmente, resiste o Suplemento Cultural de A Tarde (mas, mesmo assim…).
A inexistência da crítica de arte não diz respeito apenas ao soteropolitano. É uma constatação geral no jornalismo brasileiro. Mas, e os cadernos culturais e as ilustradas da vida? Caracterizam-se pela superficialidade e servem, apenas, como guia de consumo, com suas resenhas ralas. Atualmente, os cadernos dois, assim chamados, são até contraproducentes porque elogiam o que deveriam criticar, colocando na posição de artistas personalidades que deveriam, no máximo, estar no departamento de limpeza de estações rodoviárias.
A crítica de arte serve justamente para isso: para, construtivamente, sem insultos, mas com argumentos sólidos, desmontar aquilo que não presta. Que falta não faz uma crítica de teatro séria, que, semanalmente, venha a apreciar o que se está a apresentar na cidade como literatura dramática! Ou uma crítica de artes plásticas. A interferência de um crítico faria corar muitos pintores que estão expondo na Bahia e posando como artistas. Assim também uma crítica de cinema que fosse menos paternalista com os “coitados’ dos cineastas baianos cujas imagens são a de “franciscanos” em busca da expressão cinematográfica, mas cujos resultados, em sua grande maioria, remetem o espectador aos braços de Morpheu, quando não à aporrinhação.
Se a miséria da cultura baiana é cristalina, a miséria da crítica cultural é, também, imensa. Que esmola pode ser dada para se acabar com ela?
Com todo respeito que tenho a Prof. Setaro, ele incorre num erro comum de sua geração e de outras apenas um cadinho mais velhas do que as que hoje fazem o Pós-Axezismo, e que calhou de ser a minha: falam do passado como se presente fosse. Antônio Risério comete o mesmo erro: suas palavras são exactas para uma realidade de meia década atrás. Pra de hoje, são nefelibatas.
Para-além, Setaro comete um erro a mais: confunde “crítica cultural” com “crítica em jornal (impresso)”. E como a imprensa impressa está a morrer, decreta a morte da crítica. Ora, com a internet nunca o jornalismo (de boa qualidade) esteve tão vivo: e gratuito, colaborativo, livre. Nunca também a crítica foi tão vicejante: os críticos que exercem a crítica via internet (como eu aqui, o Omelete, o Zeta Filmes, Roberto Wagner, Luciano Matos, Filmes do Chico e tantos outros) pela primeira vez ao invés de impor e tutelar uma leitura teórica das obras, sucitam e coordenam debate. Mais: interferem de modo direto na autoralidade, naquilo que Deleuze apenas vislumbrou (sem conseguir por em prática) como “crítica = clínica”.
Aliás, o próprio Setaro diz que a crítica cultural morreu… fazendo crítica cultural! Tanto no Terra Magazine quanto no Coisa de Cinema (embora o formato deste último ainda esteja muito ligado a mídia tradicional – sem poder deixar comentários, por exemplo). É como estar cego de tanto vê-la. Ou como José Saramago dizendo que twitter é uma regressão ao monossílabo: se assim o fosse, os aforismos também o seriam, e também os haikais, bem como as manchetes de jornal e as epígrafes que ele cria para suas obras. Epígrafes que têm sido melhores que as próprias: desde que abandonou sua fase de ficcção histórico-geográfica (que nos deu obras-primas como O Ano Da Morte De Ricardo Reis, Jangada de Pedra e Memorial do Convento), Saramago tem optado por um international style meio Paulo Coelho. Não atoa Ensaio Sobre A Cegueira virou um filme mequetrefe, em inglês. Cousa que jamais aconteceria com o Evangelho Segundo Jesus Cristo, por exemplo.
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