O Eixo & o equilíbrio
“O meu Sol
tem um mar
tenho planos para lhe salvar
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no meu sonho
tenho planos para amar
#
(mas me deixe ficar
um pouco mais)”
O Círculo
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Passei o dia num dilema moral (que ficará claro a todos nos próximos meses) se escrevia ou não sobre a saída de Pedro Pondé da banda O Círculo. Decidi-me a escrever sobre isso, sem análise, talvez com puro sentimento. Primeiro, pelo fato político-estético suigeneris que o surgimento de O Círculo representou há 4 anos: Depois de ver foi um verdadeiro hino da eleição de Jaques Wagner para muitos colegiais das grandes cidades do interior, e da capital, que votariam para governador pela primeira vez na vida. Depois, em consequência disso, por minha relação afetiva pessoal com a banda.
Muito do que aqui vai é puro wishful-thinking. Porque esta crise, junto a outras, me leva a questionar se a tão propalada “Retomada” está, de fato, em marcha – ou se não é um sonho em que Pedro Pondé, Taciano Vasconcelos, Daniel Ragoni, Júnior e Israel nos fizeram acreditar. Acreditar tanto que virou verdade. Me recuso a analisar estes fatos por ora, contudo. Em respeito a estas figuras luminosas, em talento e em tudo mais, que raiaram num sol de dois-de-julho na última década.
Como todos sabem, o Círculo não acabou. Mas Pedro Pondé, que o idealizou, não está mais nele. Isso não é a princípio um problema: os quatro têm hoje, sem ele, maturidade estética suficiente para seguir adiante – com o rigor e o estilo de sempre. Um vocalista a altura da guitarra lírica, quase trágica, de Taciano, e da elegante, precisa, delicada bateria de Daniel, será dificil encontrar. Mas encontrar-se-á.
Pondé, por outro lado, é o vulcão que todos conhecemos: lúcido, consequente, inventivo. Seguirá também.
O Círculo foi quem primeiro percebeu que esta oposição axé-music X rock’n roll estava não apenas ultrapassada, como era desde sempre binária demais. E deu o passo adiante, arrombou a porta por onde adentrou o pós-axezismo. Onde antes uma disputa cega, e sem diálogo, entre as próprias bandas ditas alternativas, agora um palco generosamente oferecido, com a profusão talássica da montanha soteropolitana: o Bahia de Todos os Sons.
Destas sementes brotaram quase todos os ramos do pós-axezismo: A Formidável Família Musical, O Pirigulino Babilake, Preto Sábio, Clube da Malandragem, Vivendo do Ócio. O Círculo nos fazia crer que podiamos, sim, estar em toda parte. Todos nós. Que o que viviamos era pouco, só um lado do mundo – o outro, a gente ainda desconhecia. Que nesta janela, já nela, a gente não queria mais estar preso.
O Círculo foi assim o centro, o eixo, a partir do qual se equilibrava e orbitava parte considerável do pós-axezismo. Não sei se com esse cisma de agora poderá continuar a sê-lo. E daí estarmos todos meio atônitos – inclusive, creio, os atuais e ex- integrantes do projeto.
Mas, repito: não acabou. Seus frutos estão aí. E o principal, seu legado: a noção clara de que a Salvador medíocre tem saídas – muitas ainda inexploradas. Que a canção vive, e faz viver.
Matar aula deve ser muito mais gostoso hoje, porque existe Amor de graça.
Nessa celeuma, eu não quero tomar parte – sequer, ainda, como crítico. Apenas como público, meio órfão e um tanto borocoxô como fiquei o dia todo. Contudo, deixemos o pessimismo para dias melhores.
A todos os cinco, dentro e fora de O Círculo, meus votos de luto, pesar, e da mais bela sorte do universo. E meu sincero abraço aberto a todos os cinco, indiscriminadamente. Quando um sonho morre, não há culpados nem cúmplices: só vítimas.
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