A Ignorãça Temporã
A recente pesquisa do Ministério da Saúde sobre prevenção de contágio de HIV/AIDS gerou por um lado comemorações efusivas (li alhures, em comentários de blogs: “60% dos adolescentes usam camisinha! fico aliviada por meus filhos!”) ou preocupações consternadas, como do próprio Ministro José Gomes Temporão.
Em mim, não gera mais do que decepção – pela pesquisa, não pelo seu resultado. 20 anos de epidemia não foram suficientes para des-genitalizar o sexo.
Não conheço o protocolo de pesquisa aplicado, mas pelo que foi divulgado pelo próprio Ministério (e não apenas pela imprensa surtada brasileira) parece que a questão é de usar ou não usar camisinha numa relação sexual. Uma questão simplista, portanto.
Simplista porquê cabe perguntar: o que é uma relação sexual? Pica em buceta e pau no cu? Se for assim, 40% de adolescentes terem penetração vaginal ou anal sem preservativo é para causar pânico em qualquer sanitarista. E não corresponderia à situação de endemia controlada (apenas 700mil infectados num país que se esperava, no ano de 1986, que viesse a ter hoje quase 2 milhões).
Se a pesquisa não especifíca (e não especifíca) o que ela chama de relação sexual, ela vale tanto quanto uma enquete do Faustão. Poderia ser 0% de uso de camisinha por adolescentes – posto que as primeiras experiências sexuais de qualquer pessoa não se dá com penetração.
Aí me vem o Ministro Temporão (que de resto eu admiro muito) dizer que a única forma de prevenir HIV é usar camisinha sempre, é demais! Sempre como, Ministro? Sempre, inclui quando eu for lamber sovaco apenas? Sempre inclui sessões de punheta coletiva? Ou são estas coisas menos “relação sexual”?
Isto me lembra os anos 90, que se recomendava uso de filme plástico para fazer sexo oral em mulheres – o que obviamente ninguém usa. E hoje se sabe que o risco nestes casos é cretinamente baixo. O sexo oral em homens representa algum risco – mas ninguém usará mais camisinha por isso.
Seria muito mais proveitoso uma política de saúde que alertasse não para usar camisinha quando for chupar cacete – mas que levasse o sujeito a ponderar sobre o risco que quer correr, neste caso e em outros. E que sustentasse, no limite, e com veemência, que o sexo com penetração só é seguro com preservativo – e ponto final.
Esta ignorância do Ministro não é só dele. Graça ainda hoje entre diversas entidades sanitarias e de atenção primária em prevenção de DSTs – que fazem mais as vezes de bastiões da moral, com a idéia tutelar de que o uso livre de seu próprio corpo (numa suruba, por exemplo) é em si arriscado. Felizmente, não são todos os órgãos públicos e privados desta área que assim agem e pensam.
A ignorância do Ministro vem da incapacidade que estas instâncias têm de entender que o HIV não é uma epidemia do sexo, mas da sexualidade. Isto é: do desejo e do gozo – mas não do orgasmo e dos genitais. Isto é: que o viruzinho vem provar contumazmente aquilo que Sigmund Freud descobriu – que a relação sexual rigorosamente não existe, e que por isso qualquer relação é uma relação sexual. A maioria delas, sem nenhum risco epidêmico.