Cinicamente Gay (!)
Quem me conhece sabe meu total desprezo por bares gays. Em geral, tem um serviço ruim que não tenta melhorar porque seu público é fidelizado pelo guetismo, pelo medo de “se expor”, e com isso não tem, ele próprio, critério de comparação de qualidade. Fora isso, são chatos! Só uma coisa pode ser tão chata quanto uma boate gay: uma boate hetero! Eu sou sempre pela diversidade, pela mistura, com qualidade.
Acontece que eu abro uma honrosa exceção para o Marquês, na Avenida Marquês de Caravelas no miolo não-boêmio da Barra-Avenida (pra quem não sabe, todas as ruas da Barra têm nome de nobres do II Reinado). Dizer que o Marquês é o melhor bar gay de Salvador, ou um dos melhores do país, hoje, é pouco. Ele é um excelente bar – ponto final! Ser gay é um charme a mais, sem ser um fato irrelevante. Os drinks são criativos e bem resolvidos, sem pretensões. O Marquês de Sade é um drink em copo de champanhe boca-larga, feito com vodka absolut, gengibre e limão; o Marquesa de Santos um shot longo de… catuaba selvagem! Para breve, prometem ainda o Marquês de Olinda: simplesmente jurubeba leão do norte, on the rocks.
Notaram que os drinks são esculhambados, auto-irônicos. E é isso que faz o charme do Marquês: é um bar gay que ironiza radicalmente com a idéia de ser um bar gay – num bairro, ou numa área do bairro, sem nenhuma tradição disso (ao contrário do que se diz, o bairro gay de Salvador é os Barris – mas em Salvador tudo é mais ou menos misturado), e que fica a duas quadras da praia mais misturada do planeta: o Porto da Barra.
O escracho-a-si-próprio não para aí. O bar fica num casarão art-nouveau onde ficava um brechó de uma velha, que fechou (chamava-se Brechic). Os donos radicalizaram o discurso glam fin-du-siécle, introduzindo nas paredes pintadas de roxo volutas douradas, estofamento de futon prata, espelho de fora a fora. O mobiliário é genialmente simples: tamboretes de pálete com armação de aço oxidado, que podem ser empilhados, servir de mesa, balcão, etc.
Cereja do bolo: no cardápio e na porta de entrada há uma foto imensa de um nobre do fim do II Império, com ares de bicha velha, e ao seu lado um menino de 17 anos… comendo uma banana!
A programação é uma sacada a parte. É um bar de passagem rápida, então nada de especial no sábado ou na sexta, e fecha no domingo. Mas nas quartas ele vira um verdadeiro cabaret com um pocket-show da Cia. Bahiana de Patifaria, o Trilha Sonora,
no qual se canta de canções de musicais alemães e da Broadway, propositadamente mal traduzidas, até jingles comerciais. Cheio, com ar esfumaçado, e a decoração forçadamente antiquada nos dá uma sensação de irrealidade onirica algo proustiana (ou baudelairiana, como prefiram).
E na primeira quinta-feira de cada mês tem a Cocktail Partie. Festa de música eletrônica de primeira qualidade (nada de “house de viadinho”, trata-se do pessoal da Pragatecno numa leitura mais retrô) ,cedo (11h da noite, às 2h da manhã já começa a esvaziar), como era a Quinta Groove dos tempos do Aquarela Café e da Gloss quando a Gloss pertencia a Edson Cordeiro. Aliás, a Hostess de lá agora está no Marquês…
(em tempo: o visual deste blog é livremente inspirado no Marquês. Só que o Marquês tem mais purpurina – garanto que é purpurina 100% hipoalergênica).
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