O Vila do Velho & o XVIII-tão de Aninha
Ao fechar suas portas, alegadamente para-sempre, semana passada, o Theatro XVIII em seu folder explica os motivos. É curioso o modo com que as coisas são ditas nele: primeiro, o XVIII se auto-entitula “maravilhoso e eficiente” (sic); depois, diz que o Projeto Miúdos da Ladeira (grupo teatral com as crianças moradoras do Taboão, pertinho do XVIII e da sede histórica do GGB) “salva do risco das drogas” (sic, de novo, se não em exatas palavras, em idéia); por fim, que o XVIIItão era o único teatro bahiano a não cobrar pauta, “tentando com isso dar acesso a artistas sem recursos”.
Ora, tomemos primeiro este ponto: não é com pauta gratúita que se democratiza acesso ao público de novos artistas – e por outro lado, a pauta do XVIII era, nos bons tempos, consignada (uma percentagem da arrecadação do artista com ingressos), e não “de graça”. É preciso que teatros cobrem pelos serviços que prestam (entre eles, o aluguel do espaço aos artistas, que é isso que pauta é). Se a questão é que a Sala do Coro, pública, cobra 400 reais, cobre-se metade; cobre-se até 100 reais que seja, mas cobre-se algo!
Ademais, sim o XVIII foi maravilhoso por muito tempo – diria que foi um dos “bunkers da resistência” quando a mediocridade reinava cá na Diaspórica. Junto com o Vila Velha. E sim, o Miúdos da Ladeira é um projeto importante, que mereceria maior atenção dos governos estaduais e municipais (não via SECULT, mas talvez via Desenvolvimento Urbano, Reparação Social, Justiça e Cidadania, sei lá) – mas não opera milagres.
Chama atenção que, pra anunciar sua falência como gestora, Aninha Franco além de culpar o Estado, o faça com uma pompa narcísica sem nenhuma autocrítica. Vergonha alheia profunda tive quando vi – até pelo tanto que a admiro (ou admirava). Ela se auto-proclama a “Rainha da dramaturgia bahiana”. Ora, há muita gente produzindo texto teatral na nova geração que nada tem a ver com ela, e faz melhor que ela. Pra ficar em um só nome, cito Paulo Henrique Alcântara, dos excelentes “Lábios que Beijei” e “Bolero”.
Se o XVIII foi um ponto de resistência, o Vila Velha também foi. Com uma diferença: quando o atual Secretário de Cultura o assume, a mais de 10 anos, ele estava fechado, endividado e decrépito. Hoje é um dos mais vicejantes fomentadores culturais da América Latina (não sou eu quem afirma isso, apenas) – motivo aliás pelo qual ele foi escolhido pra pasta de Cultura de Jaques Wagner.
Fez isso sem receber um puto de dinheiro público, e se hoje o Vila recebe é como qualquer outro teatro – até porque Márcio se afastou completamente da gestão do Vila.
Eis duas diferenças de gestão. O XVIII vivia a reclamar que “o Pelourinho tá abandonado”, mas nada fazia a respeito. Abria burocraticamente, de quinta a sábado, apenas de noite, e fim de papo. O Largo Dos Aflitos, onde fica o Vila, não é menos abandonado. Mas os dois ambientes do Vila (o Cabaré dos Novos e a Sala Principal) são ocupados diuturnamente, às vezes por mais de um turno por dia, de segunda a segunda. Não satisfeito, o Vila faz ensaios abertos nos jardins (estes sim, abandonados) do Passeio Público, e comprou o Teatro Gamboa. E ainda é sede de diversos grupos teatrais, desde premiadíssimo Bando de Teatro Olodum, até A Outra Compania de Teatro.
Não atoa, o XVIIItão foi o único teatro a não sediar o Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia (FIAC-BA) ano passado. Porque não quis.
O Teatro Gamboa é minúsculo como o XVIII. Fica na área problemática da Gamboa, que mistura prostituição com luxo gastronômico (o Chez Bernard, o melhor restaurante francês do país a 60 anos, e não se fala mais nisso!). E bomba! Teria tudo para dar errado como o XVIII, e não dá. Motivo? Gestão.
Sou servidor público em duas secretarias estaduais: Saúde (por carreira) e Administração (temporário, mas por seleção pública de provas e títulos) – em ambas a SECULT é comentada como modelo de gestão. Não de gestão cultural apenas – mas de gestão pública para qualquer setor.
Aí me lembro das afirmações dos detratores de Márcio: “Volta pro Vila, Velho!”. Ora, essa frase é falaciosa de saída: o “volta pro Vila” pressupõe que o Vila é bom, e o trabalho de Márcio lá é melhor ainda. Se um cara que consegue fazer de um teatro decadente uma referência internacional em 10 anos não serve pra ser Secretário de Cultura, quem serviria?!
O XVIII ter sido um dos “bunkers da resistência ao axezismo” (lembro que ele sediou a segunda e virulenta versão de Los Catedrásticos – Recital da Novíssima Poesia Bahiana, o primeiro ataque sistemático ao axezismo), não significa que ele saiba sobreviver agora, que tudo mudou. Já disse aqui antes que seria preciso se adaptar para sufar a grande onda, agora positiva, que a Bahia vive. Saber surfá-la não quer dizer que o estabelecimento seja bom: o criticável Glauber Rocha ArtePlex bem ou mal sabe; o excelente XVIIItão, não soube…
Não obstante, vai aqui uma sugestão: estatizem o XVIII! Se a Prefeitura fosse proativa, o comprava – seria o primeiro passo para des-vaticanizar o Pelourinho, como diz Walter Pinheiro; como não fará, que o faça o Estado. Nem que seja para torná-lo de capital misto. O XVIII não precisa exatamente de um banho de dinheiro – um banho de gestão, a la Márcio/Wagner já lhe faria bem.
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